A conjuntura política mostra-se imprevisível. Mesmo assim é flagrante a antecipação do debate eleitoral de 2018. Com o país afundado na maior crise de sua história, as eleições são vistas como uma “luz no fim do túnel”, onde a legitimidade do governo voltaria a emergir das urnas. No entanto, a recente divulgação da lista de investigados pelo STF, onde constam ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos e ex-detentores de cargo público, mostra que qualquer previsão sobre o futuro pode estar fadada ao fracasso. Lula será condenado? Se for, isso ocorrerá antes ou depois das eleições? Caso seja considerado culpado pelas acusações que pesam contra ele, que nomes ocuparão seu espaço? Ciro Gomes? Fernando Haddad? Chico Alencar? Essas são apenas algumas perguntas sem resposta no campo da oposição ao governo Temer.
Mas a vida entre os governistas também não anda fácil. Com um presidente com índices de popularidade negativos, os partidos que viabilizaram o golpe mostram-se desorientados. O que fará o PMDB, que tem toda a sua cúpula investigada ou denunciada pela operação Lava Jato? E o PSDB, com Aécio e Alckmin abatidos em pleno voo, optarão por apresentar o prefeito de São Paulo, João Dória Júnior, à corrida presidencial? Qual o potencial que uma candidatura de extrema-direita – encarnada pelo repugnante Jair Bolsonaro – pode ter e como agir diante de seu possível crescimento? E Marina Silva, finalmente candidata por seu partido, poderá repetir o desempenho das eleições anteriores, embolando ainda mais a disputa presidencial?
Essas são apenas algumas perguntas que demonstram a imprevisibilidade da conjuntura política brasileira. No meio dessas incertezas, três pesquisas eleitorais foram divulgadas nos últimos dias. A primeira, encomendada pela CUT ao Instituto Vox Populi enfatiza a liderança de Lula. Realizada entre os dias 6 e 10 de abril – antes, portanto, da divulgação da “lista Fachin” – a pesquisa mostra Lula liderando todos os cenários. Variando entre 44% e 45% das intenções de voto, o ex-presidente bateria qualquer dos potenciais candidatos tucanos (Aécio, Alckmin e Dória). A pesquisa demonstra que a polarização eleitoral entre PT e PSDB continua forte. Mas demonstra também um patamar alto de intenção de votos para Jair Bolsonaro, que aparece à frente dos candidatos tucanos em todos os cenários. Marina Silva, provável candidata da Rede Sustentabilidade, também mostra que mantém certo recall das eleições anteriores, variando entre 10% e 11% das intenções de votos. Já Ciro Gomes (PDT) aparece estacionado com percentuais entre 4% e 5%. Além disso a pesquisa ainda demonstra um aumento da rejeição popular às reformas de Temer.
Outra pesquisa, divulgada essa semana, apresenta um enfoque diferente. Realizada pelo DataPoder360 entre os dias 13 e 16 de abril (já depois da divulgação da lista de investigados pelo STF e sua exploração pela imprensa), busca demonstrar a força do prefeito de São Paulo. A reportagem sobre a pesquisa, divulgada pelo portal de mesmo nome, não deixa dúvidas em relação à essa intenção. A primeira informação em destaque dá conta que Dória é “o tucano mais bem posicionado na disputa presidencial de 2018”. Outra informação destacada pelo instituto mostra que o prefeito de São Paulo tem a menor rejeição entre os entrevistados (23%), mas também é um dos mais desconhecidos. Em relação aos demais nomes, a pesquisa mostra uma rejeição elevada de Lula (59%) e Aécio (66%). A pesquisa atribui quase o dobro de intenções de voto para Dória em relação aos demais tucanos: ele teria 13% contra 8% de Alckmin e apenas 7% de Aécio. Por fim, cabe destaque ainda o elevado patamar de Jair Bolsonaro (entre 14% e espantosos 19%) e de Marina Silva (cerca de 10% nos três cenários).
Chama a atenção, ainda, a discrepância dos números de Lula nas duas pesquisas. Enquanto no levantamento do Vox Populi Lula aparece com cerca de 45% das intenções de voto, na pesquisa do DataPoder360 o ex-presidente não ultrapassa os 25%, o que pode refletir o desgaste das delações da Odebrecht sobre os pesquisados, submetidos a horas de cobertura jornalística da imprensa monopolista. O levantamento ainda dá uma estranha ênfase à avaliação de nomes do PSDB, promovendo inclusive um levantamento sobre a imagem do ex-ministro José Serra, que não é pré-candidato à Presidência da República.
Divulgada nesta quinta-feira, a pesquisa do Ibope, o mais respeitado instituto de pesquisas do país, também mostra Lula disparado na liderança. No entanto, assim como o levantamento feito pelo Vox Populi, o Ibope realizou as entrevistas antes do impacto da divulgação das delações dos executivos da Odebrecht. Nela os eleitores que afirmam que votariam em Lula varia entre 30% (votariam com certeza) e 47% (incluindo aqueles que “poderiam votar”). No caso de Aécio Neves e Geraldo Alckmin esses números alcançam, no máximo, 22%. Segundo reportagem do Estadão, João Dória “tem 16% de eleitores potenciais (6% votariam com certeza). Mas sua vantagem é ter uma rejeição muito menor que a dos concorrentes dentro do partido: 36%”. A pesquisa ainda atesta o potencial eleitoral de Bolsonaro. O pré-candidato do PSC tem 17% de eleitores que votariam com certeza ou poderiam votar eventualmente nele. Seu crescimento, segundo o Ibope, é considerado “consistente”. A pesquisa destaca, ainda, que a baixa rejeição de Dória se deve a seu elevado desconhecimento entre a população. No entanto, no levantamento do Ibope ele aparece atrás dos nomes tradicionais do PSDB (Serra, Aécio e Alckmin).
O que está por trás dos números?
Apesar das tentativas de desqualificar uma e outra pesquisa, as três revelam algumas tendências inquestionáveis:
1. O nome de Lula continua sendo o mais forte. Isso não deveria gerar surpresa. Foi presidente por oito anos, promoveu medidas de impacto entre os mais pobres e tem a seu favor o comparativo com um governo desastroso. No entanto, mostra índices de rejeição altos e traz consigo todas as incertezas da ação contra ele em Curitiba;
2. Doria, pela baixa rejeição e por não estar envolvido nas delações da Lava Jato, mostra-se altamente competitivo. Apesar de ainda ser desconhecido da maioria da população, mostra números robustos para um novato na política eleitoral e é prefeito da maior metrópole do país. Além disso, tem a seu favor o desgaste dos “medalhões” do PSDB;
3. A candidatura de Bolsonaro tem potencial para repetir fenômenos de extrema-direita que levaram pânico à Europa nos últimos anos. Dificilmente ele teria fôlego para chegar ao segundo turno, mas pode embolar a disputa e alcançar patamares alarmantes de intenção de voto até a eleição;
4. Marina Silva, apesar do mutismo em relação a temas cruciais da conjuntura brasileira, mostra um recall considerável. Mesmo num partido pequeno e com pouco tempo na TV, pode consumir votos decisivos dos principais nomes que buscam chegar ao segundo turno.
Se essas são tendências óbvias, elas podem ser facilmente invalidadas por novos fatos. Uma condenação de Lula, por exemplo, embaralharia novamente as cartas. Além disso, não se sabe o que partidos importantes no tabuleiro político farão, como é o caso do PMDB. Da mesma forma, caso os rumores de uma grande “acordo nacional” se confirmem, a desilusão promovida por um pacto entre PT, PSDB e PMDB para, por exemplo, limitar o alcance das punições promovidas pela Lava Jato, pode permitir o surgimento de uma alternativa à esquerda.
Mas, se por um lado, as pesquisas eleitorais demonstram uma fotografia do momento, outros dois estudos divulgados recentemente mostram uma análise panorâmica do comportamento eleitoral dos setores populares após 20 anos de polarização entre PT e PSDB. A primeira, divulgada pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung, analisa a polarização política em 2016. Coordenada pelos pesquisadores Pablo Ortellado, Marcio Moretto e Esther Solano, o estudo utilizou dados de três pesquisas realizadas em São Paulo e nas redes sociais tendo o PT como centro simbólico. Dentre as várias constatações do estudo, destaca-se a relação do “paulistano médio” com o discurso das elites ativistas engajadas no debate político. Como outros estudos demonstraram durante o ano de 2016, a maioria das pessoas esteve alheia aos protestos contra e a favor do impeachment. Isso, no entanto, não significa que essas pessoas não assimilem valores disseminados por diferentes atores no curso da polarização política que o país vive nos últimos anos.
Por exemplo: a maioria dos entrevistados valoriza a defesa dos direitos sociais, rejeita o discurso liberal econômico e aceita bem a lógica punitivista – ao contrário do que demonstra outra pesquisa divulgada recentemente em que 64% dos cariocas negavam a máxima “bandido bom é bandido morto”. Mas mesmo paulistanos que se definem como “direita” ou “conservador” não concordam com as medidas liberais que Temer busca implementar na economia. Estas visões de mundo tendem a ter, como veremos, impacto na definição das preferências eleitorais.
Outra pesquisa, muito badalada, foi aquela divulgada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores. A pesquisa parte de hipóteses iniciais, dentre elas, as que advogam que “no momento de expansão e avanço do ciclo econômico novos valores em relação aos costumes e à política foram gestados entre as camadas populares, que passaram a se identificar mais com a ideologia liberal que sobrevaloriza o mercado” e que “no momento de descenso e retração do ciclo econômico essa camada da população passou a reagir informada por horizontes menos associativistas e comunitaristas e mais por diretrizes marcadas pelo individualismo e pela lógica da competição (…)”. A pesquisa demonstra que as posições políticas se formam de maneira superficial e de acordo com a agenda oferecida pela mídia monopolista. Termos comuns ao vocabulário dos ativistas políticos, como “coxinhas” ou “petralhas”, não habitam o imaginário dos setores populares.
Mas os dados mais interessantes da pesquisa dizem respeito à visão das camadas populares em relação ao Estado e às relações de classe. No primeiro caso, os entrevistados não identificam o principal conflito da sociedade entre patrões e empregados ou entre ricos e pobres, mas entre Estado e cidadãos. O inimigo é o governo. Os entrevistados, além de cobrarem do serviço público um sentido de eficácia equivalente à gestão privada, estabelecem uma relação clientelista, do tipo “pago impostos, logo posso exigir um serviço de qualidade”.
Em relação a forma como os entrevistados veem as relações sociais, chama a atenção a rejeição de qualquer forma de conflito. Como atestou André Singer em célebre estudo sobre o lulismo, os trabalhadores brasileiros tendem a negar o conflito, como expressão de ameaças de caos ou rupturas. Isso se explica pela forma como as classes são vistas pelas camadas populares. Para elas “trabalhador e patrão são diferentes”, mas ambos são necessários e desejáveis. Eles estariam “no mesmo barco”, segundo o imaginário dos trabalhadores da periferia de São Paulo. Este mesmo setor da sociedade tende a se definir como “classe média” independentemente da renda ou ocupação. Corroborando a pesquisa realizada pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung, as camadas populares não negam a importância de políticas públicas, mas rejeitam aquelas medidas que aparentam “duvidar da capacidade das pessoas”.
Qualidade x quantidade
As três primeiras pesquisas quantitativas analisadas mostram tendências de comportamento eleitoral, ainda que estejamos meses longe do início da campanha eleitoral. No entanto, se cruzamos aqueles levantamentos com as pesquisas qualitativas realizadas pelas duas fundações, verificamos que as tendências se cruzam. Não por acaso a pesquisa da Fundação Perseu Abramo atesta que “os referenciais de figuras públicas de sucesso mais lembrados foram Lula, Sílvio Santos e João Doria Jr.” percebidos como pessoas que vieram de baixo e cresceram por mérito próprio”.
A supervalorização do mérito criou uma zona de intersecção entre os valores disseminados por Lula e Dória. Como afirmou a pesquisa realizada pela fundação petista, durante o ciclo de crescimento econômico liderado pelo lulismo, “novos valores em relação aos costumes e à política foram gestados entre as camadas populares”. Isto é, ao valorizar o mercado como meio de ascensão social, os governos petistas criaram as bases para o fortalecimento de uma visão meritocrática que ajudou a eleger João Dória quando a política entrou em crise. Ao mesmo lado, sem incorporar o papel do Estado como promotor de serviços públicos, um discurso puramente liberal encontraria pouca adesão, devido à memória recente de um governo presente na vida das pessoas. Por isso Doria não terá sucesso se assumir um programa à la MBL. E provavelmente ele não fará isso.
Em outras palavras, as pesquisas qualitativas comprovam as tendências apontadas pelas pesquisas quantitativas: o enfraquecimento dos valores associativistas e comunitaristas podem levar a uma eleição onde a combinação entre meritocracia e promoção de políticas sociais formem um novo centro político, cujas principais expressões seriam Lula e Doria. O primeiro expressa a ascensão social com a colaboração do Estado; o segundo, a meritocracia e a eficiência que os trabalhadores passaram a valorizar após a melhoria das condições de vida durante o ciclo expansivo. Por ironia do destino, ao não promover a disputa de valores na sociedade, o PT incentivou o fortalecimento de seu contrário. E pode ser vítima dele nas eleições de 2018 se a agenda política não for radicalmente transformada por um novo ciclo de lutas populares no Brasil.