Escrevo apenas algumas horas depois de deixar a Esplanada dos Ministérios e logo após a publicação do Decreto Presidencial que autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal entre 24 e 31 de maio deste ano. É verdade, como disse a imprensa governista, que o recurso da Garantia da Lei e da Ordem foi utilizado recentemente pelo governo Dilma na Rio+20 e nos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro. Mas isso em nada torna o decreto mais legítimo. Pelo contrário: quando Dilma lançou deste expediente absurdo, foi duramente criticada por juristas, parlamentares e movimentos sociais comprometidos com a democracia. Além disso, o contexto de edição dos decretos assinados por Dilma e Temer é absolutamente diferente. Foi um grave erro a edição deste decreto quando dos eventos realizados no Rio de Janeiro. Mas Dilma não estava sendo investigada no Supremo Tribunal Federal nem havia sido grampeada fazendo negociatas com um magnata nos porões do Palácio do Planalto. Ela não editou os decretos para reprimir uma manifestação contra seu governo – ainda que, ao recorrer a ele, tenha fortalecido agora os argumentos do governo golpista.
Temer, ao contrário, edita o decreto de Garantia de Lei e da Ordem justamente no dia em que centenas de milhares de trabalhadores organizados por sindicatos e movimentos sociais tomam as ruas da capital federal para protestar contra suas reformas e exigir sua renúncia. O presidente tem uma aprovação popular inferior àquela que Dilma ostentava quando do seu impeachment. Foi enredado em denúncias graves que vão de prevaricação a corrupção e vê sua base de apoio desintegrar-se dia a dia. Suas reformas são repudiadas pela maioria da população brasileira, apesar dos milhões investidos em propaganda com recursos públicos. Editar um decreto que permite que as Forças Armadas reprimam os manifestantes que estiveram na tarde de hoje na Esplanada nada mais é do que uma provocação – ou, pior – uma estúpida tentativa de demonstrar força.
É claro que a mídia monopolista trabalhará nos próximos dias para justificar a ação de Temer. Uma repórter de uma rádio ligada ao grupo Globo descrevia a situação na Esplanada como “um cenário de terror e medo”. Mas o que vi, enquanto pequenos grupos quebravam vidraças ou pichavam paredes dos ministérios mais próximos ao Congresso Nacional, eram centenas de pessoas descansando sob a sombra das poucas árvores que a área verde do Eixo Monumental oferece. Encontrei amigos que vieram de lugares distantes e que nem de longe lembravam os “vândalos” que a grande imprensa descreve. Uns tossiam, outros lacrimejavam, por conta das bombas que a polícia arremessava com o intuito de dispersar uma manifestação majoritariamente pacífica, mas ninguém ali se sentia uma ameaça à segurança nacional.
Ao recorrer ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem, Temer demonstra seu absoluto desespero diante da crescente insatisfação popular com sua permanência no cargo de presidente da República. Em cadeia de rádio e TV seu Ministro da Defesa, Raul Jungmann, justificava a edição do decreto como resposta a um pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – o “Botafogo” das planilhas da Odebrecht. Enquanto Jungmann falava em nome do governo, Maia liderava a votação de Medidas Provisórias no plenário da Câmara dos Deputados, como se nada estivesse acontecendo. Ambos – Maia e Jungmann – serão lembrados pela história como parte da sórdida operação que busca dar sobrevida ao presidente golpista e corrupto.
Com a emissão deste decreto e a violência disseminada na Esplanada dos Ministérios nesta quarta-feira, o governo Temer mostra que chegou ao fim. Ao ser incapaz de suportar a pressão das ruas sem recorrer à força, o governo prova de uma vez por todas que não poderá levar adiante a agenda de retirada de direitos que justificou o golpe de abril de 2016. Mas a saída de Temer não ocorrerá num passe de mágica. É preciso denunciar, no Brasil e no exterior, a utilização de métodos autoritários aos quais o presidente corrupto e golpista recorre para postergar sua queda. Só assim poderemos dar fim a um governo que jamais deveria ter existido.