O procurador-geral da República, Rodrigo Janot (foto), esteve na semana passada no centro da maior crise enfrentada pela Operação Lava Jato até aqui. Alcançando os escalões mais altos da República – a começar pelo presidente ilegítimo – a Lava Jato parecia, semanas atrás, finalmente girar sua artilharia para a banda mais podre da política brasileira: PMDB e PSDB. As gravações de Joesley Batista pareciam dar por terminado o governo Temer. O afastamento de Aécio Neves do mandato de senador era uma lufada de esperança de que os partidos e lideranças mais profundamente ligadas à banda podre do capitalismo brasileiro finalmente acertariam as contas pelas décadas de relações espúrias com o setor privado. A corrupção identificada nos governos do PT – especialmente na Petrobras – fruto da opção pela “governabilidade” ao lado desses partidos corruptos pareceria, enfim, brincadeira de criança diante da sujeira produzida pelas grandes quadrilhas da política brasileira. A denúncia contra Temer, embora enterrada pelos partidos que apoiaram o golpe, representava um rombo no casco governista que, na pior das hipóteses, impediria Temer de fazer avançar medidas como a Reforma da Previdência. Com avanços e retrocessos, as investigações finalmente alcançavam o núcleo do golpe de 2016. Tudo isso até aparecerem novas gravações de Joesley Batista e Ricardo Saud.

Os áudios atestam que a corrupção e o tráfico de vantagens podem ter alcançado, nada menos, que o principal assistente do procurador-geral da República e um ministro do Supremo Tribunal Federal. Diante dos riscos de que a revelação contaminasse todo o trabalho do Ministério Público, Rodrigo Janot convocou às pressas uma coletiva de impressa onde tentou explicar que os áudios traziam denúncias gravíssimas contra membros da Procuradoria-Geral e STF, podendo, inclusive, contribuir para anular o acordo de colaboração firmado entre o MP e os donos da J&F. O governo Temer, exultante, comemorou o revés da Lava Jato. De sua parte, Janot adiantava-se às revelações que, claramente, questionariam parte do trabalho desenvolvido por ele a partir das informações prestadas pelos irmãos Batista. Em sua mais profunda crise, a Lava Jato se vê na iminência de perder a credibilidade conquistada junto à maioria da sociedade graças às suas ações espetaculosas e à prisão de nomes de peso, como Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Antônio Palocci. Uma verdadeira fratura exposta, que inclui ainda questionamentos a Sergio Moro e suas relações com um advogado acusado de realizar negociações entre a Odebrecht e a força-tarefa da Lava Jato em seu nome.

O que deveria fazer um procurador-geral que, cioso de seus deveres, quisesse preservar o trabalho do Ministério Público – gostemos ou não de seus resultados – diante de uma inegável crise de credibilidade como a que atingiu a Lava Jato na última semana? Ao ser flagrado num bar de Brasília em encontro secreto com o advogado de Joesley Batista, o chefe máximo do Ministério Público abala ainda mais o prestígio atribuído à Lava Jato. Não tenho admiração especial pela atual configuração do Ministério Público – em geral marcada pelo mesmo viés punitivista que caracteriza todo o Poder Judiciário no Brasil – mas admito que a PGR cumpria papel positivo ao não se esquivar do dever de acusar o presidente ilegítimo pelos crimes fartamente comprovados no depoimento dos irmãos Batista, ao contrário do que fizeram outros Procuradores em tempos não muito distantes.

Mas até aqueles que, como eu, não nutrem qualquer admiração pela Operação Lava Jato ou pelo trabalho do Ministério Público – especialmente em sua seção curitibana – ficaram chocados com a falta de cuidado de Rodrigo Janot, apenas uma semana antes do fim do seu mandato. Pode ser que ele estivesse, tão somente, negociando a entrega dos irmãos Batista. Mas sua trapalhada, ao encontrar-se de forma informal com o advogado de um réu cuja prisão preventiva o próprio MP havia requisitado horas antes, mostra que não há instituições intocáveis. Que Joesley é um homem poderoso, ninguém duvida. Afinal, não é qualquer um que discute a compra do silêncio de Eduardo Cunha no porão do Palácio do Planalto com o presidente da República em meio ao furacão da Lava Jato. Isso sem considerar que ele pode ter comprometido, em suas gravações, ex-ministros, deputados, senadores e até o indefectível Gilmar Mendes. Mas daí a considerar aceitável que Janot pudesse ir ao encontro do advogado de Joesley para uma reunião privada num sábado, fora da agenda oficial, num boteco qualquer… são outros quinhentos.

Não acredito que esse erro deva servir para questionar todo o trabalho do Ministério Público e de Rodrigo Janot, como tentam fazer Temer e seus aliados. Mas ele deve servir de alerta: a saída para a crise que vivemos está na política, e não em instituições consideradas “infalíveis” pela sanha punitivista que demonstram. Os poderosos continuam detendo muita força– não os políticos corruptos, esses aos quais a mídia monopolista tenta atribuir muita força, mas que não passam de sócios minoritários do poder econômico. Os funcionários públicos corruptos, os políticos corruptos, os promotores corruptos e até os juízes corruptos só existem porque existem corruptores. E esses são sempre os mesmos: os megaempresários que continuam fazendo do Estado um balcão de negócios sujos. É possível ter um sistema capitalista eficiente, transparente e justo? Seria tolice equivalente a acreditar que a Lava Jato poderia pôr fim à corrupção no Brasil prendendo uma centena de doleiros, executivos ou políticos. O problema, como nos lembra Michael Moore, é o próprio capitalismo.