A recente e absurda prisão do ex-presidente Lula, líder em todas as pesquisas de intenção de votos, abriu um enorme questionamento sobre o futuro das eleições presidenciais deste ano. Num pleito que conta com mais de 20 nomes lançados ao cargo máximo da República, é difícil saber qual será o impacto de uma prisão prolongada do ex-presidente sobre o cenário eleitoral.
No campo da esquerda e centro-esquerda há sete nomes lançados: Lula (PT), Guilherme Boulos (PSOL e PCB), Ciro Gomes (PDT) e Manuela D’Ávila (PCdoB). A sindicalista Vera Lúcia é a candidata do PSTU e o PCO deve apresentar, pela quinta vez consecutiva, a candidatura de Rui Costa Pimenta. Além destes, foi lançado pelo PPL o filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente. Entre todos, apenas os quatro primeiros têm assegurada presença nos debates de TV e podem chegar a um desempenho eleitoralmente relevante.
No campo da centro-direita (chamado apenas de “centro” pelos analistas da grande mídia) estão Marina Silva (Rede Sustentabilidade) e Joaquim Barbosa (PSB). Ambos mostraram bom desempenho na última pesquisa Datafolha e têm como “fórmula” a combinação entre liberalismo econômico e combate às desigualdades. Mas Marina contará com pouca exposição na TV e Barbosa sofre resistências no interior do PSB. Além deles, a novidade algo esdrúxula desta semana é a filiação do ex-ministro comunista Aldo Rebelo ao Solidariedade, partido controlado pela Força Sindical.
No campo das forças de direita, reina a anarquia. Nada menos que 14 candidatos já foram lançados ou apresentados como potenciais candidatos: Levy Fidélix (PRTB), Flávio Rocha (PRB), Jair Bolsonaro (PSL), Michel Temer e Henrique Meirelles (MDB), Rodrigo Maia (DEM), Fernando Collor de Mello (PTC), Valéria Monteiro (PMN), Paulo Rabello de Castro (PSC), Geraldo Alckmin (PSDB e PPS), João Amoedo (Novo), Álvaro Dias (Podemos), Eymael (PSDC) e, mais recentemente, Guilherme Afif Domingos (PSD).
Esse quadro de completa pulverização, é verdade, não deve durar até a eleição. Muitos dos nomes apresentados não chegarão ao registro oficial das candidaturas junto à Justiça Eleitoral. Mas é notável, mesmo em termos numéricos, que a divisão entre os partidos de direita é muito mais profunda do que entre os partidos de esquerda. Por que, então, só se fala em “fragmentação da esquerda”?
É claro que Lula, por muito tempo, foi o grande ponto de unidade entre a maioria dos partidos do campo da centro-esquerda. Mas é preciso lembrar que a esquerda brasileira conviveu, ao longo dos últimos quinze anos, com uma grande diversidade de posições. Um polo menor agrupava os partidos que faziam oposição de esquerda aos governos petistas, incluindo PSOL, PSTU, PCB e PCO – este último sem diálogo com os demais. Destes, apenas o PSOL manteve uma expressão social relevante ao longo dos governos do PT, com bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e maior presença nos movimentos sociais
Outro polo, muito mais expressivo numérica e politicamente, era formado pelos partidos que compunham os governos petistas: além do próprio PT, também PCdoB, PDT e PSB. Esse polo sofreu uma primeira defecção na eleição presidencial de 2014, quando o PSB decidiu por apoiar o hoje réu Aécio Neves (PSDB) no segundo turno.
De lá para cá, houve um rearranjo de posições com o golpe parlamentar de 2016, forçando uma maior unidade contra os ataques do governo ilegítimo de Temer. Uma vez na oposição, PT, PCdoB, PDT e PSOL, que dividiam trincheiras na resistência parlamentar à ofensiva da direita contra as conquistas sociais, se consolidaram como principais forças na luta pelo “Fora Temer”. Isso não levou, no entanto, a uma unidade eleitoral. Nos últimos meses, os quatro partidos lançaram candidaturas próprias ao Palácio do Planalto.
Esse fenômeno tem a ver, dentre outras explicações, com a indefinição em torno da candidatura do ex-presidente Lula. Embora todos defendam seu direito de concorrer, a prisão de Lula levanta sérias dúvidas sobre o quadro eleitoral entre as forças de esquerda e centro-esquerda. Com isso, parceiros de longa data, como PCdoB e PDT, optaram legitimamente por organizar suas táticas eleitorais.
Além disso, mesmo com leituras semelhantes sobre a natureza e os objetivos do golpe parlamentar, o PSOL acumulou importantes divergências com os partidos que compuseram os governo Lula e Dilma, especialmente no que diz respeito ao sistema de alianças, à preservação do tripé macroeconômico, às limitações das políticas sociais, enfim, à opção por um “reformismo fraco”.
É, portanto, absolutamente natural que haja um número variado de candidaturas de esquerda e centro-esquerda. Elas expressam, ao mesmo tempo, a diversidade de posições e as incertezas do cenário eleitoral. Diferente de Portugal, nosso sistema político não permite a criação de uma “geringonça”.
Assim, quando alguém perguntar “por que a esquerda não se une?” e bater aquela angústia, lembre que a direita tem mais de uma dezena de candidatos e ainda não achou um nome ou projeto que a unifique. E isso tudo com seus candidatos livres e em plenas condições de fazer campanha.