Em seu primeiro dia como presidente, Jair Bolsonaro promoveu uma quantidade inimaginável de ataques aos trabalhadores e às minorias. Com a edição de uma única Medida Provisória ele extinguiu a Secretaria da Diversidade, Alfabetização e Inclusão do Ministério da Educação; proibiu a Funai de demarcar áreas indígenas, transferindo suas atribuições para o do Agronegócio; extinguiu os ministérios do Trabalho, da Cultura, das Cidades, Esportes e Integração Racial; liberou nomeações políticas e perseguição a adversários no Itamaraty; extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que orienta o combate à fome, dentre outras medidas. Não fosse satisfeito, embolsou R$ 8,00 do salário-mínimo aprovado pelo Congresso Nacional para o orçamento deste ano.
A rapidez com que Bolsonaro promoveu a reestruturação do Executivo federal mostra que ele sabe onde quer chegar. Por isso, a oposição também precisa saber. Evidentemente, é cedo para fazer projeções sobre o futuro do novo governo, mesmo porque há questões-chave que continuam em aberto, como a relação que Bolsonaro estabelecerá com os partidos do centrão no Congresso Nacional, com a mídia monopolista e mesmo com as forças armadas e seu vice, General Mourão. Mas uma oposição que não sabe que papel quer cumprir está fadada ao fracasso.
A decisão das bancadas do PSOL e PT de não participarem da posse de Jair Bolsonaro estimulou um importante debate sobre o perfil de oposição que o Brasil precisa. De um lado, aqueles que reivindicavam o direito de fazer da ausência um ato político de protesto contra as posições do novo presidente. De outro, aqueles que clamavam pelo “respeito às instituições” e aos “ritos democráticos”. Não é objetivo deste ensaio repor os argumentos levantados nessa polêmica. Mas chamo a atenção para os fatos que se seguiram para tentar responder à pergunta que dá título a essa reflexão: a quem interessa uma oposição bem-comportada?
Enquanto partidos de oposição negociavam seu apoio à reeleição de Rodrigo Maia (DEM) à presidência da Câmara dos Deputados, naquilo que seria uma manobra para impor a primeira derrota de Bolsonaro no parlamento, o novo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do mesmo partido de Maia, defendia o diálogo com a oposição: “A eleição tem que ser superada e o entendimento tem que surgir. Todos os países do mundo tiveram a maturidade a humildade de propor um pacto pelo país. Eu conversei com o presidente hoje pela manhã, nos cabia fazer o primeiro gesto”. Um gesto nada espontâneo, combinado no gabinete do novo presidente para atenuar o impacto da verborragia anticomunista que marcou a posse da equipe de Bolsonaro.
O novo ministro da Casa Civil é um político experiente com quatro mandatos na Câmara dos Deputados. Sabe que a máquina do Estado não anda sozinha. Embora o novo presidente tenha dado sinais de sobra de que pretende usar e abusar dos instrumentos de administração direta – como decretos e MPs – ele sabe que se permanecer em pé de guerra com o Congresso Nacional terá o mesmo fim que Fernando Collor de Mello. O apelo em torno do “pacto” não tem efeito prático algum, serve apenas para estimular a divisão entre seus opositores.
Enquanto a fala de Lorenzoni repercutia na oposição, o partido do presidente tomava a dianteira. Numa jogada surpreendente, minutos depois, o PSL anunciou seu apoio à reeleição de Rodrigo Maia, deixando em situação delicada aqueles partidos de oposição que negociavam seu apoio a ele. Jogada inteligente, sem dúvida: fez um aceno aos partidos do centrão, insatisfeitos com a composição ministerial de Bolsonaro, ao mesmo tempo em que deixou parte da oposição a ver navios. Com isso, a eleição de Maia fica praticamente assegurada e o governo evita uma derrota quase certa com apoio de uma parte da oposição.
O episódio é ilustrativo do debate em curso na oposição. De um lado estão partidos e lideranças que acreditam que o governo Bolsonaro será um desastre e que, em pouco tempo, ele perderá apoio e se abrirá uma nova oportunidade para chegar ao poder em aliança com partidos da centro-direita. De outro lado, aqueles que estão mais preocupados em evitar os retrocessos hoje, sem cálculos eleitorais ou apostas num futuro incerto. Os primeiros tentavam – e ainda tentam! – garantir o apoio de seus partidos ao atual presidente da Câmara, mesmo que isso significasse a continuidade de um aliado de Paulo Guedes à frente da Casa. Os demais acreditam que é hora de a oposição demarcar claramente que não aceitará a agenda de Bolsonaro em nenhuma hipótese e fazer do parlamento uma trincheira a mais de resistência.
De certa forma se repete a polêmica envolvendo a posse de Bolsonaro. Respeitar o jogo de cartas marcadas ou se insurgir contra ele? Ou, ainda, apostar numa “oposição propositiva” ou numa oposição de combate? As declarações do presidente no ato de posse e suas primeiras medidas liquidaram quaisquer ilusões: não há proposta do governo Bolsonaro que possa ser apoiada por uma oposição comprometida com os direitos sociais, a democracia e a soberania nacional. Uma “oposição comportada” só serve a Bolsonaro e seu projeto de extrema direita. O apoio do PSL a Maia livrou alguns partidos de oposição de um vexame histórico. Resta agora saber se vai predominar o bom senso ou se os cálculos de curto prazo falarão mais alto.