Alguns dos mais importantes eventos políticos deste breve século XXI tiveram a juventude entre seus protagonistas. O levante de massas que levou à derrocada das ditaduras no Egito e Tunísia, que depois se transformaria em “Primavera Árabe”, contou com a participação decisiva dos jovens. O mesmo ocorreu em movimentos de contestação como o Ocuppy Wall Street, em Nova York, os “indignados” da Porta do Sol, em Madrid, ou a rebelião dos pinguins, no Chile.

Quando a crise econômica de 2008 trouxe de volta o desemprego e a violência, os jovens foram as primeiras vítimas. Mas também souberam questionar as saídas impostas pelos donos do poder, que preferiram salvar os bancos às pessoas. Nesse processo, novos movimentos surgiram, ganhando protagonismo e ocupando espaço na arena política em muitos países. Boa parte deles foi liderada por jovens.

Mas tratar a juventude como “naturalmente” rebelde ou questionadora é um erro. Se há algo que aprendi sobre a juventude quando comecei minha militância política, é que há muitas “juventudes” diferentes. É verdade que no contexto brasileiro atual, uma parte importante dos jovens tem manifestado seu repúdio ao projeto de extrema direita representado por Bolsonaro.

Mas também há muitos jovens que não se interessam por política, que estão dedicando seu tempo livre ao culto religioso nos finais de semana, que se interessam mais por esporte ou música do que pela reforma da Previdência ou, ainda, que acreditam que o grande problema do país é o tamanho do Estado. As múltiplas juventudes expressam a diversidade da própria sociedade e isso é normal.

Mas essas “juventudes” têm algo em comum. Elas se caracterizam como um momento de confirmação de valores apreendidos na família e na escola, de ampliação dos círculos sociais e de um progressivo processo de assimilação de tarefas e responsabilidades próprias da vida adulta. É um processo fundamental na formação do indivíduo e de sua integração à sociedade. A escolha da profissão, a entrada no mercado de trabalho, as primeiras experiências sexuais, a luta por aceitação social, são expressões dessa condição.

O que devemos perceber, portanto, é que pela própria natureza transitória da juventude – da adolescência aos desafios da vida adulta – é nela que a esquerda tem encontrado mais espaço para suas ideias. É natural que os jovens expressem mais fortemente valores que correspondem às mudanças que a própria sociedade vive, com maior tolerância à diferença e abertura a novas visões de mundo. Por isso, há razões para acreditar que a juventude está mais aberta a questionar as mudanças em curso do que outros setores da sociedade.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha e publicada na última edição da revista Carta Capital confirma essa hipótese em números. Em comparação com o conjunto da sociedade, a maioria da juventude tem se mostrado mais próxima das posições de esquerda. Quando questionados se a prisão de Lula é injusta, 42% das pessoas em geral afirma que sim. Entre os jovens esse número chega a 50%.

Questionados se o Sérgio Moro deveria se afastar do cargo de ministro da Justiça, 38% afirmam que sim. Na juventude esse número é muito maior: 59%. Diante da pergunta “Moro teve uma conduta inadequada ao manter conversas secretas com os acusadores de Lula?” 58% das pessoas em geral afirmam que sim. Entre os jovens esse número sobe para impressionantes 77%. Para a maioria da sociedade (55%) a Operação Lava Jato é boa. Entre os jovens, apenas 42% têm essa percepção.

Como se nota, a juventude tem sido o setor da sociedade mais crítico aos rumos do país. Pude atestar isso na última semana, quando participei de um debate a convite da União Nacional dos Estudantes (UNE) durante seu 57º Congresso. Em Brasília se reuniram mais de 10 mil jovens de todo o Brasil. Na UnB, onde transcorreu a maioria dos debates do Congresso, dezenas de grupos e movimentos de juventude entoavam palavras de ordem, realizavam intervenções artísticas, promoviam rodas de conversa sobre os mais diversos temas. Havia disputa, mas o clima era de unidade contra o inimigo comum. Muito diferente do que se conhece dos espaços da nova direita jovem, em especial o MBL e seus congressos bem-comportados.

Na sexta-feira, os jovens mostraram na prática o sentido da palavra “vanguarda”. Enquanto a Câmara dos Deputados votava a reforma da Previdência com praticamente nenhuma resistência do movimento dos trabalhadores e trabalhadoras, milhares de estudantes, com o apoio de algumas centenas de professores, tomavam a Esplanada dos Ministérios contra o governo Bolsonaro. O contraste entre o movimento estudantil e sindical era gritante.

Por isso, no segundo semestre é muito importante que a esquerda esteja ao lado das lutas dos estudantes e da juventude progressista. A maior manifestação de massas contra o governo Bolsonaro este ano foi protagonizada por estudantes e professores no dia 15 de maio. É verdade que o ministro da Educação ajudou bastante, ao anunciar na semana das manifestações cortes de até 30% no orçamento das universidades e institutos federais, o que jogou mais gasolina na fogueira. Mas é inegável que os ataques à educação mostraram enorme potencial de mobilização. Isso porque mesmo uma parte considerável do eleitorado de Bolsonaro – que num tempo não muito distante votava no PT como reconhecimento pela melhoria das condições de vida – espera que o Estado garanta a educação de seus filhos. Por isso, essa é uma causa que pode ter amplo amparo na sociedade, diferente do que aconteceu recentemente com a reforma da Previdência, quando o debate público sobre o tema foi monopolizado por posições liberais.

Os sinais são de que os ataques de Bolsonaro à educação tendem a continuar, como atesta o novo programa do governo anunciado esta semana e que prevê o início do processo de privatização das universidades públicas.

Como a destruição dos direitos e a perseguição a estudantes e professores é parte constitutiva do programa bolsonarista, a tendência é que a resistência estudantil e da juventude em geral, cumpra um papel fundamental no segundo semestre. Cabe à oposição partidária apoiar de forma intransigente essas lutas, arrastando outros setores da sociedade para uma ampla frente em defesa dos direitos e ampliando o desgaste do governo Bolsonaro.