No último domingo Bolsonaro ultrapassou um novo limite. Ao participar de ato público que pedia intervenção militar em Brasília, assumiu abertamente o figurino golpista que sempre reivindicou enquanto deputado. Mas porque Bolsonaro aumentou a aposta?

Primeiro, porque sabe que há divisões entre as forças de centro-direita que compõem aquilo que popularmente se conhece como “Centrão”, uma constelação de partidos conservadores que passaram anos parasitando o Estado durante os governos petistas. Há setores que estão ansiosos por voltar a ocupar espaços na máquina pública e Bolsonaro já percebeu que dividir o inimigo é a melhor tática para diminuir seu isolamento no Congresso Nacional.

Segundo, porque percebe que os impactos negativos da quarentena sobre um setor da sociedade pode ser capitalizado pelo sentimento antipolítica do qual o bolsonarismo se alimenta. A conquista do auxílio emergencial garantiu que um contingente enorme de pessoas não sinta fome durante a pandemina. Mas ele não é capaz de garantir renda para os trabalhadores ou pequenos empreendedores dos setores médios, que não passam fome, mas veem seu orçamento despencar e que terá de se endividar. Paradoxalmente, o mesmo governo que não atende às necessidades dessas pessoas, por exemplo, através da oferta de crédito mais barato, se beneficia da indignação contra a quarentena. A adesão de caminhoneiros e motoristas do transporte escolar aos atos deste domingo é um indicativo desse processo.

Por fim, a terceira razão é que Bolsonaro percebeu que, apesar do isolamento no mundo da política, ele recuperou apoio na sociedade. Os resultados da última pesquisa Datafolha mostram que, diante dos inconvenientes provocados pela quarentena, ele é o único político que se beneficia diretamente da situação, aumentando a aprovação de um governo catastrófico e legitimando seu discurso contra as medidas de isolamento social recomendadas pela OMS.

Diante das atrocidades cometidas por Bolsonaro as instituições deveriam agir. Há, pelo menos, três saídas constitucionais que poderiam ser tomadas. A primeira, seria a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão pelos crimes eleitorais cometidos na eleição de 2018. A principal vantagem dessa medida é devolver à soberania popular, através de novas eleições, a definição sobre os rumos do país. A desvantagem é que a decisão depende do Tribunal Superior Eleitoral, imune à pressão social, especialmente num contexto que impede manifestações de rua.

A segunda saída seria o impeachment. Há mais de uma dezena de pedidos protocolados na Câmara dos Deputados cuja aprovação depende de Rodrigo Maia. Além de lento, o processo não tem hoje apoio da maioria dos partidos para andar. A oposição soma pouco mais de 130 votos, dos 342 que seriam necessários, e o Centrão por ora rechaça a medida. Hoje, as forças da direita tradicional consideram impossível depor um presidente que tem 35% de aprovação e apoio de parte da cúpula militar.

A terceira opção seria a abertura de um processo contra Bolsonaro no STF. Há várias queixas-crime protocoladas. O problema é que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, não permite que as ações andem. E ainda que andassem, teriam de passar pelo plenário da Câmara dos Deputados onde, lembremos, a oposição não tem os votos necessários para aprovar o afastamento do presidente.

Muitos outros já fizeram essa síntese sobre as possibilidades constitucionais para o afastamento de Bolsonaro. A intenção aqui é demonstrar que isso não depende apenas da oposição. Apesar de termos ao menos 30% da sociedade ao nosso lado, para que o afastamento do presidente progrida, é preciso que uma parte da centro-direita rompa definitivamente com o governo. Para isso ocorrer, temos que ampliar a pressão e buscar formas de manifestação que não afrontem o isolamento social.

Quando Bolsonaro ultrapassa os limites, como fez ontem, quem é contra o governo fica desesperado por alguma iniciativa. É normal. Nas redes sociais os dirigentes partidários e parlamentares de esquerda se tornam alvo de todo tipo de cobrança: “notas de repúdio não derrubarão Bolsonaro”, dizem uns; “façam alguma coisa!”, exigem outros. A oposição deve ser cobrada, claro, mas a pressão precisa também ser endereçada ao Centrão e suas lideranças. Nesse momento, a bola não está conosco. São eles que podem reequilibrar o jogo.

A angústia e a indignação devem ser canalizadas para cobrar os presidentes do Senado e da Câmara, o presidente do STF ou do TSE. As limitações impostas pela quarentena precisam ser contornadas de forma criativa, ampliando os panelaços, criando formas de engajamento online e mobilizando setores sociais e entidades representativas em favor da saída de Bolsonaro, como a OAB, ABI, CNBB, Comissão Arns, dentre outras. Essa é a única saída para livrar o país desse irresponsável. O “Fora Bolsonaro” precisa ganhar a maioria da sociedade e essa é uma tarefa de todos nós.