O primeiro ano do governo Bolsonaro foi desafiador para todas as forças políticas. A extrema-direita e seus aliados no governo tiveram que lidar com as agruras de responder pelos erros, excessos e ataques promovidos por Jair Bolsonaro. Em poucos meses viram a aprovação do governo minguar de cerca de 50% para os patamares atuais – em torno de 30%.

A velha direita, representada pelo “Centrão” e pelo bloco demo-tucano, passou o ano procurando um lugar ao sol. Ainda que Rodrigo Maia tenha buscado assumir uma posição de independência em relação ao governo Bolsonaro, a impopularidade de sua agenda de reformas econômicas pró-mercado e a dubiedade na relação com o presidente impediram que a direita tradicional, principal derrotada nas eleições de 2018, ressurgisse das cinzas.

A oposição, por sua vez, superou divisões e até ampliou sua influência no Congresso Nacional, com a adesão de partidos como Cidadania e PV, mas não conseguiu ampliar o patamar de 30% de apoio que detém na sociedade desde o segundo turno das eleições presidenciais. O resultado é a derrota em votações importantes, como a Reforma da Previdência.

Quando 2020 chegou, a impressão de todos é que o impasse prosseguiria. De um lado, Bolsonaro com 30% de apoio e monopolizando o debate público em torno de sua agenda. De outro, a oposição apoiando-se nos 30% de brasileiros e brasileiras que repudiam o governo. No meio, um enorme contingente em compasso de espera. Acontece que a pandemia do novo coronavírus mudou tudo isso, ou quase tudo.

As eleições municipais deste ano serão totalmente diferentes do que se imaginava. A pandemia produziu fatores que podem justificar resultados até agora impensáveis. Destaco pelo menos três elementos que, reunidos, formam um contexto de grande incerteza nas eleições que se avizinham: a desilusão com o governo Bolsonaro de uma parte de seu eleitorado, o fim do monopólio de Bolsonaro sobre o debate público e os efeitos da pandemia do novo coronavírus no debate eleitoral em si. Dedico este ensaio ao último destes três aspectos.

A pandemia é uma verdadeira tragédia nacional. Até o dia 15 de setembro de 2020, são mais de 130 mil vítimas fatais, quase 4,5 milhões de contaminados, famílias dilaceradas, milhões de empregos destruídos, uma economia em frangalhos com a expectativa de uma retração de -10% no PIB deste ano.

Diante dessa calamidade, a resposta da sociedade foi contundente: apesar das bravatas de Bolsonaro, o Brasil parou. A imensa maioria reconheceu a importância das medidas de isolamento social, formando um bloco com dois terços de brasileiros e brasileiras contra as posições do governo.

As recomendações da Organização Mundial de Saúde foram adotadas pela imensa maioria dos prefeitos e governadores, reforçando um ambiente de isolamento do governo Bolsonaro. Muitos gestores municipais, mal avaliados em suas administrações, recuperaram popularidade ao assumirem uma postura firme de combate à pandemia. No debate público, venceu a versão de que o novo coronavírus é muito mais que uma “gripezinha”.

Com o adiamento das eleições em 40 dias e os prefeitos tentando “mostrar serviço”, as disputas municipais tiveram suas cartas embaralhadas. Ao mesmo tempo, a pandemia se tornou o eixo de todos os debates e programas de governo nas eleições deste ano.

As respostas a serem dadas giram em torno de novas perguntas: como retomar os empregos destruídos na crise? Como financiar adequadamente o SUS e as políticas de proteção social? Qual o momento de retomar as aulas? Quem são os responsáveis por medidas como o auxílio de R$ 600,00?

Aqueles que tentarem se desviar dos temas relacionados à pandemia perderão audiência. Por isso o governo Bolsonaro e as forças de extrema-direita tentarão angariar apoio reivindicando a criação do auxílio emergencial que, na verdade, foi aprovado pela Câmara dos Deputados a partir da pressão da oposição.

Esta, por sua vez, poderá finalmente voltar a tratar de temas que lhe são caros e que estavam invisibilizados pela estratégia de Bolsonaro: emprego, serviços públicos de qualidade, proteção aos mais vulneráveis, dentre outros. A primeira tarefa deve ser a denúncia do corte no Auxílio Emergencial pela metade e as investidas contra aposentados e servidores.

A pandemia mudou totalmente a agenda das eleições deste ano. Essa mudança da agenda eleitoral é boa para quem defende um Estado presente e atuante para enfrentar a crise. E péssima para quem queria continuar falando de golden shower e da maconha nas universidades enquanto fazia “passar a boiada” da reforma do Estado e da retirada de direitos.