Fábio Zanini
SÃO PAULO

O PSOL não rejeita suas origens radicais nem se sente ofendido com o termo, mas diz que amadureceu desde que surgiu a partir de uma dissidência do PT, em 2004.

Um exemplo, afirma o presidente da legenda, Juliano Medeiros, 37, é o fato de o partido hoje aceitar alguma participação do setor privado na administração pública.

Para ele, o PSOL é a renovação da esquerda, em contraste com um PT desgastado. “Nós nos tornamos o partido do ativismo brasileiro.”

Os fundadores do PSOL foram expulsos do PT. O jogo virou na esquerda? O PT ainda é a força hegemônica da esquerda, embora outras estejam se credenciando para disputar essa hegemonia. Há o bloco de PSB, PDT e Rede, que busca um projeto mais social-democrata, há o próprio PT, que busca reanimar o lulismo, e nós trazemos uma esquerda renovada e anticapitalista.

Por que o PSOL seria a renovação? O PSOL nasceu com a proposta de resgatar a ideia original do PT, de uma esquerda independente, classista. Passados 15 anos, o PSOL não olha mais para trás. Busca uma esquerda combativa, radical no melhor sentido da palavra, de ir à origem dos problemas, à raiz, mas que seja contemporânea, do século 21. Uma esquerda que incorporou temas como direitos humanos, meio ambiente, direitos das mulheres, LGBTs, negros, juventude.

Se o PSOL é a renovação, então o PT envelheceu? O PT tem 40 anos, tem dinâmicas internas e relações com a institucionalidade e movimentos sociais próprias de um partido com quatro décadas. Nós não estávamos no governo quando a maior parte dos partidos que hoje são oposição governavam.

Estar no governo exigiu que esses partidos assumissem responsabilidades que não tivemos. Nesse período, fortalecemos nosso trabalho de base e a relação com movimentos sociais, nos tornamos o partido do ativismo brasileiro.

Nunca ter sido governo é talvez a maior crítica que se faz ao PSOL. O próprio Lula disse em 2017 que a frescura do partido só vai acabar quando governar alguma coisa. Estamos conscientes de que chegar ao Executivo traz muitas responsabilidades. Governar é muito mais complexo do que fazer oposição.

Ao mesmo tempo, rechaçamos o mito de que só há uma forma de gerir o Estado. As experiências mais inovadoras de gestão pública, os governos da Luiza Erundina [São Paulo], Olívio Dutra e Tarso Genro [Porto Alegre], Maria Luiza Fontenele em Fortaleza e Edmilson Rodrigues em Belém, foram promovidas com governos de minoria.

Eram todos governos muito instáveis politicamente. O conflito é um elemento presente na política. Fazer política dialogando e negociando é positivo, mas fazer política em contextos de conflito também é algo aceitável. A ideia de uma absoluta harmonia entre todos é uma utopia. O conflito é próprio do processo de evolução das sociedades. O contrário disso é o conservadorismo. Conflito não pode ser tratado apenas como algo que é indesejável. E se administra ora pela via do diálogo, ora pela do enfrentamento.

O programa do PSOL tem pontos como ‘superação da ordem capitalista” e “rechaçar a conciliação de classes’. O partido ainda abraça essas ideias? O PSOL não rechaça suas origens socialistas e radicais. Mas ao longo destes anos compreendeu que havia um espaço para ser ocupado por uma força capaz de articular demandas de movimentos com a luta institucional.

O PSOL ao amadurecer politicamente foi capaz de preservar suas origens, não fazer alianças com os velhos partidos da direita, não ceder em princípios, não abrir mão da combatividade, não receber recursos de empresas.

Quando Bruno Covas diz que o radicalismo tem de ser combatido, é algo que ofende vocês? Não, mas deveria ofender a inteligência dos eleitores. Ao dizer isso, ele tenta assumir que é de centro, rejeitando sua condição de participante de um projeto que tem como propósito a retirada de direitos. O PSDB é um partido da direita brasileira, que tem um caráter elitista e excludente, ancorado nos cânones do neoliberalismo, de Estado mínimo, de redução dos direitos. Eu diferencio radicalismo e extremismo.

Qual o caminho para derrotar Bolsonaro em 2022? Formar uma frente de esquerda? Ajudaria muito. Mas não tem como fazer essa discussão abdicando do debate de programa. A eleição municipal mostrou que a unidade é importante, mas que por si só não resolve. Mesmo nos lugares onde a esquerda saiu dividida, houve um pacto de boa convivência para que no segundo turno todo mundo pudesse estar junto.

Qual a visão do PSOL sobre a participação do setor privado na gestão pública? Não é parte da nossa compreensão a demonização do Estado, dos servidores. Isso não significa dizer que em muitos casos não vai ser necessário estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada. O caso de São Paulo é emblemático.

O governo Boulos não irá romper os contratos com as creches, que são mantidas com organizações sociais. Por uma razão simples: hoje, o Estado não tem condições de no curtíssimo prazo resolver a demanda que está colocada. Agora, isso não significa que o Estado deva se eximir da sua responsabilidade.

Não há uma demonização da participação do setor privado na gestão pública, tampouco nós damos de barato que é melhor e sempre mais eficiente a entrega de serviços para a iniciativa privada.

Dá para em 2020 ainda falar de governo que não tenha participação privada? Não dá. Por isso que eu estou reafirmando que tem uma série de políticas públicas que hoje já dependem da iniciativa privada. E que, portanto, precisam ser analisadas, para que a gente não tenha o escândalo da creche, do Rodoanel. Não acho que seja possível ignorar a existência do mundo privado e as possibilidades que ele apresenta para a gestão pública. Mas isso tem de ser analisado colocando o interesse público em primeiro lugar.

Quando Boulos promete contratar funcionários, dar passe livre, e não detalha custos, não estimula desconfiança? Nosso projeto não prevê prejuízo para as classes médias, os setores produtivos. Mas há uma parte que vive da especulação, da jogatina no mercado financeiro, que será atingida. Esses setores têm boas razões para serem contra os nossos pressupostos econômicos.

RAIO-X
Juliano Medeiros, 37
Historiador com doutorado em ciência política pela Universidade de Brasília, é coautor e organizador de “Um Partido Necessário – 10 Anos do PSOL” (Fundação Lauro Campos) e “Cinco Mil Dias: O Brasil na Era do Lulismo” (Boitempo)