Todo processo eleitoral tem uma agenda de temas. Essa agenda não é definida pelos candidatos durante a campanha, mas antes, por uma série de atores que disputam previamente os assuntos que terão centralidade na eleição.

Em 2018, por exemplo, quando 57 milhões de brasileiros e brasileiras elegeram Jair Bolsonaro, a campanha eleitoral tinha um temário claro: combate à corrupção e negação da política (resultado da espalhafatosa atuação da Lava Jato), valores morais (que ganharam centralidade graças à atuação decidida das igrejas neopentecostais) e segurança (como expressão da deterioração das condições de vida em todos os níveis).

Parece óbvio, olhando em retrospectiva, que com uma agenda dessas o resultado só poderia ter sido a eleição de um candidato de extrema-direita.

Em 2020 os temas da eleição foram determinados pela trágica pandemia do novo coronavírus. Durante os meses que antecederam o processo eleitoral, o debate público foi tomado por questões como o financiamento dos serviços de saúde e assistência social; a necessidade de se combater o desemprego e a quebradeira de milhares de micros e pequenos empreendimentos; o papel dos governantes na luta para conter a propagação do vírus; a oferta de políticas de renda mínima; entre outras.

Segundo pesquisa Ibope, realizada em outubro deste ano, a saúde foi apontada como principal preocupação dos eleitores em onze capitais. Até organizações como Banco Mundial, FMI e OCDE se manifestaram sobre a necessidade de ampliar os investimentos públicos e afrouxar as medidas de austeridade com o objetivo de gerar condições para a retomada da economia global, mudando radicalmente o debate em torno da agenda econômica. Embora presentes, temas como corrupção e segurança ficaram definitivamente em segundo plano.

Com isso, em vez de definir suas preferências eleitorais a partir das posições dos candidatos frente a temas morais, muitas vezes sem qualquer relação com as atribuições de um prefeito ou vereador (como aborto, descriminalização das drogas ou atuação das forças de segurança pública estaduais), parte expressiva dos eleitores colocou a política em primeiro plano: optou por candidatos que, a seu ver, apresentavam melhores condições de enfrentar a profunda crise sanitária, econômica e social que vivemos.

Não por acaso, o percentual de prefeitos e prefeitas reeleitos chegou a inéditos 72% este ano. Na dúvida, o eleitor preferiu a manutenção de nomes já conhecidos, mesmo com gestões às vezes mal avaliadas.

O resultado foi uma derrota acachapante dos candidatos identificados com o bolsonarismo e um fortalecimento dos partidos e candidatos da direita tradicional, ora travestido de “centrão”.

A esquerda, por sua vez, embora não tenha tido resultados que permitam descrever uma vitória, tampouco foi derrotada. Em condições de voltar a falar dos temas que unificam as classes populares – emprego, saúde, educação, transporte público, combate às desigualdades – e longe da armadilha identitária, vários candidatos chegaram ao segundo turno e venceram eleições em cidades importantes, como Belém e Fortaleza.

O retorno da política e do debate de projetos, em detrimento do debate sobre valores morais, faz bem para o Brasil e abre novas perspectivas.

Aliás, se 2020 deixa algum ensinamento para as eleições gerais de 2022, é de que a batalha em torno da agenda eleitoral é tão importante quanto a campanha em si.

Se as forças de oposição mantiverem na ordem do dia o debate sobre os caminhos para superar a crise que o Brasil vive e combaterem firmemente a inépcia do governo Bolsonaro, as chances de vitória aumentam enormemente. A política voltou. É preciso mantê-la a salvo de delírios coletivos.