Juliano Medeiros – Foto DivulgaçãoPSOL
Publicado originalmente em: https://iree.org.br/contagem-regressiva-para-2022/
A crise sanitária, econômica e social se aprofunda dramaticamente neste início de 2021. A segunda onda da pandemia do novo coronavírus expõe novamente a incapacidade do governo Bolsonaro para lidar com a crise. Na última semana voltamos a ter a horrenda marca de 1500 óbitos/dia. A falta de vacinas para toda a população gera incertezas sobre o futuro.
Com o fim do Auxílio Emergencial, estima-se que ao menos 63 milhões de pessoas passem a viver abaixo da linha da pobreza e 20 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza extrema. Sem alternativas, milhões de trabalhadoras e trabalhadores se expõem à pandemia na luta pela sobrevivência.
Como consequência do aprofundamento da crise, aumenta sensivelmente o desgaste do governo. As últimas pesquisas mostram que o apoio a Bolsonaro despencou, segundo diferentes levantamentos, para algo entre 25% e 30%.
Essa queda no apoio popular, no entanto, não significa uma perda automática de apoio político. A aliança entre Bolsonaro e o “centrão” – a velha direita representada por DEM, PP, MDB, Republicanos etc. – foi renovada na eleição de Arthur Lira (Câmara dos Deputados) e Rodrigo Pacheco (Senado Federal) com o apoio do governo e a liberação de mais de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares.
Mesmo assim, a queda no apoio popular ao governo deve provocar tensões nessa aliança, já que o pragmatismo do “centrão”, de olho na reeleição de seus deputados e governadores em 2022, cobra do governo ações concretas de combate à pandemia e à crise econômica.
Os ruídos entre Lira e Paulo Guedes em torno de uma possível volta do Auxílio Emergencial dão o tom das dificuldades que devem surgir, assim como a decisão da Câmara dos Deputados de manter a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira, detido por decisão do STF.
Com o aumento do desgaste de Bolsonaro, antecipou-se o debate sobre a sucessão presidencial. A implosão do DEM e a crise entre João Dória e o centro dirigente nacional do PSDB mostram a dificuldade de construção de uma alternativa na direita demotucana.
O “centrão” mantém sua aliança com Bolsonaro, esperando para decidir seu futuro apenas em 2022. Ainda no campo liberal, nomes como do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) e do apresentar de TV Luciano Huck (sem partido) são alimentados pela grande mídia em sua busca pelo “Macron brasileiro”.
No campo da oposição de esquerda e centro-esquerda o debate sobre 2022 também ganhou força nos últimos dias. A discussão em torno de nomes ganha projeção, escondendo o tema central: a tática para derrotar Bolsonaro e tirar o Brasil da crise.
Enquanto uma parte da esquerda defende que é necessário construir uma “Frente Ampla” com setores da centro-direita, outra parte defende que o esforço neste momento deve ser em torno da formação de uma frente das esquerdas.
Entre as duas táticas, uma diferença de diagnóstico: os primeiros acreditam na existência de uma “direita democrática” disposta a alianças com a esquerda; já os segundos acreditam que uma aliança com setores liberais só seria possível subordinando as esquerdas – como ficou evidente na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados – à hegemonia da direita, comprometendo a própria superação da crise. Pessoalmente, me alinho a esta segunda perspectiva.
Independente de qual tática irá predominar – a rigor, é possível que ambas sejam testadas nas urnas em 2022 – há consenso de que é necessário garantir uma atuação conjunta nos temas centrais da conjuntura. A unidade das esquerdas em torno da campanha por vacina para todos e todas, volta do Auxílio Emergencial e impeachment de Bolsonaro é alvissareira. O mesmo se pode dizer da atuação da oposição contra o projeto de autonomia do Banco Central, dias atrás.
O jogo está sendo jogado. As peças se moveram no tabuleiro. É preciso sabedoria e disposição de diálogo caso as esquerdas queiram cumprir um papel relevante na superação da crise que o Brasil vive. Como disse o poeta, “el tiempo dirá, si al final, nos valió lo dolido”.
Juliano Medeiros
Historiador, mestre em História e doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Foi Diretor-Presidente da Fundação Lauro Campos (2016/2017) e desde 2018 é Presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). É autor e co-organizador dos livros “Um partido necessário: 10 anos do PSOL” (FLC, 2015) e “Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017).