Publicado originalmente em: https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2020/psol-tem-projeto-proprio-para-a-esquerda-brasileira-diz-presidente-do-partido-ao-metropoles
Ao Metrópoles, Juliano Medeiros critica políticas de austeridade e diz que não é necessário maioria legislativa para fazer um bom governo
São Paulo – O PSol (Partido Socialismo e Liberdade) é conhecido pela coesão no Congresso Nacional, acumulando prêmios pela atuação de oposição de esquerda. Apesar de cumprir bem o papel de fiscalizador, tem dificuldade em ganhar o Executivo. Os candidatos à presidência complicaram a vida de adversários nos debates, mas nunca foram uma ameaça nas urnas.
Nas eleições de 2020, o partido conquistou apenas quatro prefeituras de pequeno porte. Todavia, a sigla impressionou com a passagem de Guilherme Boulos ao segundo turno de São Paulo. Também conseguiu eleger vereadores, principalmente mulheres negras, com votação expressiva em várias capitais do país.
O Metrópoles conversou com Juliano Medeiros, presidente nacional do PSol, na sede do partido em São Paulo, na tarde de 16 de novembro, dia seguinte ao resultado das eleições. Medeiros confessou que ainda sofria com os efeitos das comemorações da noite anterior.
Medeiros ingressou no PSol em 2005, quando se desfiliou do PT, em meio ao escândalo do Mensalão. Desde 2018 é presidente da sigla.
O PSol já possui um levantamento de quantos vereadores e prefeitos a sigla elegeu nestas eleições?
Ainda não temos números exatos, mas estimamos que houve um crescimento em votos para nossos vereadores no país. Somos a maior bancada de esquerda no Rio. Fizemos os mais votados em Porto Alegre e Recife. Em São Paulo, a mulher mais votada é do PSol. A primeira mulher negra eleita em Vitória é do PSol. Além disso, estamos no segundo turno em três capitais. Em Belém, com o Edmilson Rodrigues, aqui em São Paulo e com o João Arnaldo, que é vice da Marília Arraes (PT) em Recife. O segundo turno em São Paulo nos dá muita visibilidade. Se tivéssemos ganhado cinco capitais que não fossem Rio ou São Paulo, não estaríamos tendo essa atenção. O que está acontecendo é histórico para nós porque os eleitos nas capitais impulsionam o partido no futuro.
Contexto: A sigla recebeu em torno de R$ 40 milhões do fundo eleitoral. Entre agosto e outubro, candidatos negros, periféricos e LGBT reclamaram na imprensa e nas redes sociais que receberam menos de R$ 10 mil para fazer campanha. O valor contrastava com o recebido por candidatos homens e brancos. Toninho Vespoli e Celso Giannazi, já vereadores e com grande potencial de reeleição em São Paulo (o que ocorreu), receberam cerca de R$ 100 mil.
Chama muito a atenção que boa parte dos vereadores eleitos do PSol são mulheres negras. Algumas delas, trans. No entanto, no início da campanha, várias candidatas neste perfil reclamaram da distribuição do fundo eleitoral pelo partido.
Quando o valor do financiamento foi definido, ainda não sabíamos quantas candidaturas teríamos. Criamos, do zero, um modelo genérico de distribuição que serve ao Brasil inteiro, que não foi pensando para favorecer uma pessoa ou outra. É natural que esse mecanismo tenha falhas e com certeza precisa ser melhorado. Estamos aprendendo e bolando formas para tornar a distribuição do fundo eleitoral mais justa. Mas é preciso salientar que o PSol hoje é o único partido do Brasil que prevê recursos adicionais para mulheres, pessoas negras, pessoas LGBT, indígenas e pessoas com deficiência. E eu estou seguro de que nosso modelo de distribuição do fundo foi eficiente para eleger minorias. A boa votação que as eleitas negras conseguiram é resultado direto dessa gestão. Sem essas medidas, haveria menos diversidade nas Câmaras de todo o Brasil.
Aqui em São Paulo o PSol triplicou a bancada, mas o Movimento Brasil Livre (MBL) também triplicou. Nas Câmaras do Brasil cresceu a presença da direita, com quem o PSol não conversa. Como formar maioria para a aprovação de projetos?
A esquerda nunca é maioria no legislativo de qualquer âmbito. Mas isso não é uma condição necessária para fazer um bom governo. Essa é uma ideia construída nas últimas duas décadas para legitimar arranjos políticos questionáveis. Os governos municipais mais avançados que o Brasil experimentou no final dos anos 1980 — Luiza Erundina em São Paulo, Olívio Dutra em Porto Alegre ou Maria Luíza Fontenele em Fortaleza — não tinham a maioria na câmara.
Contexto: Maria Luíza Fontenelle foi eleita pelo PT em Fortaleza (CE) em 1985. Sem dinheiro e apoio dos governos estadual e federal, enfrentou dívidas e greves e foi expulsa do PT antes de terminar a gestão, em 1987. Foi sucedida por Ciro Gomes. Luiza Erundina enfrentou resistência da Câmara ao fim do mandato, ao tentar implantar o IPTU Progressivo. As críticas ao projeto fizeram cair sua popularidade, prejudicando a candidatura do seu sucessor, Eduardo Suplicy. Erundina foi sucedida por Paulo Maluf. A exceção é Olívio Dutra. A gestão petista foi elogiada, e se manteve no poder na capital gaúcha até 2004.
Mas algumas dessas gestões que você citou enfrentaram dificuldades, não conseguiram ter continuidade…
Mas hoje são reconhecidas. Existe uma solução para equilibrar a agenda de um Executivo com minoria na Câmara: com mobilização e participação.
Com os partidos fisiológicos a conversa é travada, mas é possível abrir um diálogo com concessões. Se a mobilização e a participação falharem em São Paulo…
Não dá para dizer a priori antes de ganhar eleição como vai ser a dinâmica dentro da Câmara Municipal de São Paulo. A tendência, claro, é que a maioria faça oposição e critique nossa gestão.
Como vem sendo o diálogo do PSol com o centrão no Congresso?
No Congresso, esses partidos são nossos adversários porque votam de acordo com a agenda do Bolsonaro. Em 2019, o PSDB votou 88% com o governo Bolsonaro; o DEM, 89%. No Congresso Nacional, o centro não é centro, o centro é direita e apoia a agenda bolsonarista. Não tem diálogo com esses setores. Somos oposição ao governo Bolsonaro e a toda a centro-direita que o apoia.
E como estão as conversas com a centro-esquerda, como a REDE, o PDT e o PSB? Aqui em São Paulo, um eventual apoio dessas siglas, principalmente do Márcio França, poderia tornar a gestão de Boulos mais convidativa ao eleitor mais velho e tradicional.
A gente está começando essas conversas. Cada partido tem o seu tempo, mas nós vamos procurar todos que sejam democráticos e progressistas, dentro das nossas perspectivas do que é o melhor. O PT já manifestou apoio, o PCdoB vai manifestar nas próximas horas. Há um ótimo diálogo com a Rede, da Marina Silva, e com o PDT, do Ciro Gomes. E vai haver um contato nosso com o PSB também, nas próximas horas.
O PSol hoje já se vê ameaçando a hegemonia do PT, fazendo o partido rever sua posição dentro da esquerda?
Como o PT está dentro da esquerda é melhor perguntar ao PT. O PSol tem um projeto próprio para esquerda brasileira, que não é o projeto do PT, do PDT, da Rede ou do PCdoB. Estamos conectados com a nova esquerda mundial. Associamos pautas históricas relacionadas ao trabalho, à democracia e à soberania nacional com a defesa do meio ambiente e dos direitos das minorias. Para cumprir essa agenda, temos que enfrentar velhas elites políticas do Brasil. Não se pode fazer aliança com os partidos que são responsáveis por aprofundar a crise social e econômica que a gente vive. O PSol é um partido radical na sua essência, mas busca dialogar e construir maioria. Desse ponto de vista, somos diferentes dos demais partidos da esquerda, que são mais semelhantes aos partidos social-democratas europeus.
Caso Guilherme Boulos seja eleito, ele vai assumir o Executivo no meio de uma crise econômica. A austeridade fiscal e a necessidade de tolher direitos descaracteriza o que a população espera de uma gestão de esquerda. O PSol tem uma estratégia para lidar com isso?
Cidades ricas como São Paulo têm mais folga no orçamento. São Paulo tem R$ 19 bilhões em caixa, mais uma série de recursos que podem viabilizar um bom plano de investimento em quatro anos. Nós acreditamos que políticas de austeridade são destrutivas. Num momento de crise, e isso não sou eu que digo, a recomendação do FMI, do Banco Mundial e da OCDE é que os Estados nacionais gastem. A austeridade já foi abandonada pelos próprios neoliberais. Hoje, só defende contenção quem é de mais atrasado no pensamento econômico, do Paulo Guedes para baixo. Até economistas vinculados ao Fernando Henrique Cardoso declaram que é preciso ampliar o investimento público para não haver retração nos investimentos privados [Medeiros se refere às novas posições do ex-ministro da Fazenda Armínio Fraga]. As medidas de austeridade que começaram a ser adotadas no governo Dilma aprofundaram a crise fiscal e criaram uma crise política. Foi por causa dessa crise que o PT perdeu sua base social.
Qual é a posição do PSol em relação à polarização que surgiu com a crise política?
A polarização tem sido pintada como algo negativo. Estar nos extremos seria ruim e a posição boa seria o centro. Quem verbaliza esse ponto de vista é o centro. A centro-direita e a centro-esquerda são responsáveis pelas dificuldades que o país vive. A centro-direita por ter aplicado medidas de austeridade nos governos de Dilma e Temer e a centro-esquerda por não ter enfrentado as estruturas do Estado que perpetuam as desigualdades sociais. Na política mundial, o centro está sendo deixado de lado e as pessoas estão buscando posições mais firmes na direita ou na esquerda. É claro que a ascensão da extrema-direita é muito preocupante, mas há um resgate de posições de esquerda sem concessões ao sistema.
O que o Psol leva para as eleições de 2022?
Que vale a pena lançar candidaturas sem fazer concessões ideológicas ou políticas. O eleitor que se identifica como progressista, democrático ou de esquerda passou a ver o PSol como alternativa eleitoral viável. O PSol não é mais um ator menor. Nossas posições hoje são consideradas e valorizadas no debate público.