O ano de 2021 teve início com uma explosão de novos casos de Covid-19 no Brasil. O número de mortes subiu de cerca de mil óbitos por dia, no fim de dezembro, para mais de quatro mil vítimas nas primeiras semanas de abril deste ano. O recorde de vidas perdidas num único dia, 4.249 brasileiros e brasileiras, registrado em 8 de abril, é superior a todas as mortes computadas em países como Dinamarca, Coreia do Sul, Costa Rica, Eslovênia ou Uruguai desde o início da pandemia.
A tragédia se aprofundou graças à irresponsabilidade de prefeitos e governadores que flexibilizaram as medidas de isolamento social no fim de 2020. Mas, acima de tudo, pela decisão de Jair Bolsonaro e sua equipe econômica – acatada vergonhosamente pelo Congresso Nacional – de não prorrogar o Auxílio Emergencial a partir de janeiro deste ano. Sem renda para garantir a subsistência mínima, milhões de pais e mães de família voltaram a se expor, levando o vírus para dentro de suas casas.
A combinação do fim do Auxílio Emergencial – que injetou mais de R$ 300 bilhões na economia em 2020 – com a flexibilização das medidas de isolamento social, impulsionou a segunda onda da pandemia no Brasil. A oposição, corretamente, pressionou prefeitos e governadores a adotarem medidas mais rígidas para a contenção da circulação de pessoas, como o lockdown. Mas mesmo quando implementadas, elas não resolveram o problema de forma eficiente. Afinal, sem comida no prato, não há quem fique em casa.
Diante da posição de vários prefeitos e governadores, Bolsonaro ensaiou uma queda de braço, afirmando que o lockdown cerceava a liberdade dos cidadãos e cidadãs e que poderia usar a força – leia-se, o Exército – para confrontar a medida. Como sempre, ficou apenas nas palavras: em 30 de março os comandantes militares das três armas (Marinha, Exército e Aeronáutica) se demitiram, desconfortáveis com as declarações do presidente.
Com o aprofundamento da crise sanitária e sem o Auxílio Emergencial, a popularidade de Bolsonaro despencou. A perda de autoridade junto às Forças Armadas deu amparo ao Supremo Tribunal Federal, que decretou a imediata instalação da CPI da pandemia. A comissão tem sido um palco permanente de desgaste do governo e vai comprovando, dia após dia, que o plano genocida de Bolsonaro foi meticulosamente preparado ao rejeitar vacinas, boicotar campanhas de conscientização, criticar as recomendações das autoridades sanitárias e buscar a tal “imunização de rebanho” em Manaus.
Na última semana, uma soma de tragédias foi a gota d’água: a morte do ator Paulo Gustavo, fenômeno de bilheteria nos cinemas do país, depois de semanas enfrentando a Covid-19, comoveu milhares de fãs. Dias depois, a chacina na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, revelou toda a brutalidade policial numa operação que deixou quase 30 vítimas. Tudo sob o silêncio envergonhado do STF, que havia proibido incursões policiais desse tipo durante a pandemia. Na Colômbia, o exemplo da população nas ruas, afirmando que o presidente é mais perigoso que o vírus, também deu o sinal: é preciso agir.
Por tudo isso, parece ter chegado a hora de voltar – com todos os cuidados necessários – às manifestações de rua. Os negacionistas, aliás, nunca deixaram de ocupá-las. Foram enxotados em meados de 2020 pelos protestos liderados pelos torcedores antifascistas. Mas diante da posição responsável da oposição de defender medidas de restrição da circulação, voltaram a se sentir confiantes.
Uma pesquisa recente demonstrou que nas cidades dos Estados Unidos onde foram realizados protestos do movimento Black Lives Matter, não se verificou um aumento relevante de casos de Covid-19, o que comprova que podemos voltar às ruas, desde que respeitadas as medidas de proteção, como o uso permanente de máscaras, álcool em gel, dentre outras.
Chegamos ao limite. A voz das ruas é o que falta para mudar a situação política no país. A “tempestade perfeita” está prestes a se formar. Mas para que isso aconteça o elemento popular precisa entrar em cena, demonstrando toda a sua indignação com a matança em curso no país. Podemos vencer, se não tivermos medo de ousar.