O transporte público enfrenta uma grave crise financeira em todo o Brasil, devido à queda no número de passageiros gerada pela pandemia e, consequentemente, da remuneração das empresas que operam o setor. Desde 2020, em diversas cidades ocorreram greves, suspensão do serviço e diminuição do número de veículos – ocasionando maior lotação e contágio pelo vírus.

Obviamente os mais prejudicados têm sido os setores vulneráveis da população, condenados a se aglomerar em ônibus e vagões insalubres para conseguir trabalhar, estudar, comer, buscar atendimento médico, entre outros direitos essenciais.

Já no ano passado, o governo Bolsonaro foi acionado para ajudar a conter o caos por meio de um socorro financeiro às prefeituras, mediante contrapartidas. Mais uma vez irresponsável e omisso, o presidente vetou o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional sem apresentar alternativas.

Um levantamento recente feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostrou que, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, prefeituras já precisaram intervir na operação do serviço de transportes de cinco cidades, incluindo o Rio de Janeiro; ocorreram greves e paralisações de trabalhadores em outros 38 municípios, como São Paulo, Brasília, Recife, Porto Alegre e Manaus; e quebras ou realização de contratos emergenciais em mais 13, entre eles Teresina, Ribeirão Preto e Itabuna. Ou seja, trata-se de um problema nacional, que pede uma solução federal, como argumenta a própria entidade.

O problema nos transportes é antigo. Tem na sua origem práticas nada republicanas, que envolvem conflito de interesses e troca de favores entre empresas concessionárias e os governos locais. A pandemia serviu apenas para expor de forma ainda mais escancarada esse problema.

Da última vez, a luta por transporte público de qualidade foi o estopim para uma onda de protestos sem precedentes no país. Porém, em nome da saúde pública e da vida dos mais vulneráveis, é preciso que haja uma ação urgente para contornar a crise, e isso só será possível por meio do envio imediato de recursos pelo governo federal aos municípios e do uso racional e transparente dos mesmos.

Há anos organizações da sociedade civil e movimentos sociais vêm defendendo a necessidade de diversificação das fontes de financiamento do transporte coletivo, hoje baseado essencialmente na tarifa paga pelo cidadão – com a contribuição, em pouquíssimas cidades, de um subsídio pago pelas prefeituras. Além disso, são antigas as denúncias acerca da irracionalidade de se remunerar as empresas concessionárias por passageiro transportado e não pelo custo do sistema, incentivando a lotação de veículos para obtenção de maiores lucros.

Tais políticas, que até o ano passado eram demandadas pelas companhias e atendidas pelas prefeituras sem questionamento, mostraram-se perigosas com a queda brusca no número de usuários, fazendo com que fossem reivindicadas mudanças nos contratos de concessão em vigor.

Ao mesmo tempo, para garantir o funcionamento do transporte, o poder público precisou assumir, em várias cidades, a operação do serviço, seja diretamente ou por meio de subsídio. Os empresários, claro, estão defendendo seus interesses de maiores lucros e segurança de seus negócios. Resta saber quando as prefeituras começarão a agir em defesa dos interesses e direitos de quem precisa usar o transporte público.

O transporte público, assim como a saúde, é mais um setor em que a pandemia do novo coronavírus revelou de forma cristalina os limites do neoliberalismo e as consequências nefastas das políticas de desmonte do Estado. Essa é uma oportunidade para o Brasil rever suas práticas e fazer valer a Política Nacional de Mobilidade Urbana, além de pensar um novo marco regulatório para o setor.

Bolsonaro já mostrou seu total desinteresse e incapacidade em tomar qualquer atitude nesse sentido. Mas as eleições de 2022 estão aí, trazendo um sopro de esperança àqueles que defendem investimentos em um transporte público de qualidade, seguro, eficiente e ambientalmente responsável.