No século III a.C a dinastia Cin unificou um vasto território na Ásia Oriental que passou a se chamar Zhongguó, que significa “Reino do Meio” ou “Terra do Meio”. Essa região hoje abriga o quarto país do mundo em extensão territorial e a nação mais populosa do planeta: a República Popular da China. As origens dessa superpotência, portanto, remontam a centenas de anos e mostram a longevidade do “reino do meio”.

Confesso que foi impossível não lembrar da história chinesa ao ler as notícias sobre a proposta em debate entre partidos do chamado “Centrão” para alterar o sistema de governo. Os jornais têm falado em “semipresidencialismo”, mas na verdade trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende esvaziar os poderes do presidente da República, criando a figura de um primeiro-ministro que seria o chefe de governo.

A proposta parece sedutora, especialmente quando vemos um chefe de estado como Jair Bolsonaro, totalmente despreparado para o cargo e cuja inépcia já custou a vida de mais de meio milhão de brasileiros e brasileiras na pandemia de Covid-19. Mas não nos enganemos. A mudança tem um único propósito: entregar ao Congresso Nacional – e, consequentemente, ao “Centrão” – o controle de fato e de Direito sobre o governo do país.

A PEC do deputado tucano Samuel Moreira prevê a manutenção da eleição direta para a Presidência da República, mas com uma eleição indireta para primeiro-ministro via Congresso Nacional, tornando o Executivo ainda mais refém dos deputados do Centrão que controlam o Legislativo. A proposta é muito pior que o parlamentarismo, porque nesse sistema de governo, o povo elege o parlamento consciente de que os deputados formarão o governo. Isso torna o papel dos partidos e o choque entre projetos políticos muito mais explícito.

O que o Centrão propõe, ao contrário, é que o presidente eleito “terceirize” o governo para o Congresso Nacional através da escolha de um primeiro-ministro que exercerá as funções que hoje são de responsabilidade do Poder Executivo. Um modelo que serviria para empoderar ainda mais os partidos fisiológicos da velha direita que controlam o Legislativo, criando um verdadeiro Império do Centrão.

Os deputados que apoiam a proposta argumentam que o sistema funciona bem em países como Espanha e Portugal. Alegam ainda que, com tantos pedidos de impeachment, ele traria mais estabilidade ao governo porque o primeiro-ministro poderia ser trocado com mais facilidade. Mas eles ignoram que França e Portugal são democracias muito mais consolidadas, com um sistema partidário composto por poucas legendas e com clivagens ideológicas bem marcadas.

No Brasil, ao contrário, o sistema de partidos é frágil, pouco ideológico e ainda muito influenciado pelo poder econômico, apesar da proibição do financiamento empresarial de campanhas. O “canto da sereia” está justamente no fato de que o presidente é Jair Bolsonaro, o pior chefe de estado que o país já teve, o que poderia levar à conclusão de que “esvaziar” seus poderes poderia ser positivo.

A verdade, porém, é que o tal “semipresidencialismo” tenta esvaziar os poderes do próximo presidente, que pode ser eleito pela esquerda. Com isso, o Centrão manteria os dedos, mesmo que perdesse alguns anéis. Um golpe que não pode ser tolerado.

O Brasil já realizou dois plebiscitos nos quais o parlamentarismo foi derrotado. Aprová-lo por meio de PEC, mesmo com outro nome, não teria qualquer amparo legal e seria uma violência cometida contra nossa combalida democracia. Mas com Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados tudo é possível. Até ignorar mais de 120 pedidos de impeachment.

Estejamos alertas para não ver nascer um duradouro “Reino do Centrão” no Brasil, onde a alternância de projetos na Presidência da República se transforme em mera formalidade para que sigam governando os mesmos de sempre. Ao contrário de Zhongguó, o resultado será um país refém de uma plutocracia que só pensa em si própria.