Nove partidos fecham acordo por manifestação ampla no dia 2, mas falta apoio de siglas que podem destravar processo na Câmara
Partidos de oposição ao presidente Jair Bolsonaro avançaram nesta quarta-feira (15) em esforços por manifestações conjuntas pelo impeachment, acenaram ao MBL (Movimento Brasil Livre) e a outras forças que queiram aderir e agora esperam siglas que poderiam destravar um processo no Congresso.
Dirigentes de PT, PSOL, PC do B, PSB, PDT, Rede, PV, Cidadania e Solidariedade se reuniram em Brasília e fecharam acordo pela convocação unificada de atos nos dias 2 de outubro e 15 de novembro. Movimentos e políticos que foram às ruas no domingo passado (12) também serão convidados.
As duas datas já estão previstas no calendário da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum majoritariamente de esquerda que reúne partidos, movimentos e centrais sindicais e promoveu cinco mobilizações nacionais desde maio pedindo a saída do mandatário, respeito à democracia e vacinas.
Apesar do entendimento, dirigentes admitem nos bastidores dificuldades para construir para o dia 2 uma coalizão ideológica extensa. As razões seriam o prazo curto e as controvérsias decorrentes do protesto puxado por MBL e VPR (Vem Pra Rua) no fim de semana, que teve críticas ao PT e ao ex-presidente Lula.
Uma espécie de reedição das Diretas Já, vontade expressa por boa parte dos agentes políticos que têm trabalhado por um consenso entre diferentes em nome da derrubada de Bolsonaro, é vista como mais provável somente no 15 de novembro, quando as tensões estariam mais controladas.
O espírito da campanha que marcou a luta por eleições diretas para presidente da República, no fim da ditadura militar (1964-1985), também é evocado pelo movimento Direitos Já, que promoveu nesta quarta um ato com a intenção de estimular a soma de forças pelo fim do governo.
O evento, realizado em São Paulo sem plateia e com transmissão pela internet, foi marcado por discursos contra Bolsonaro e em prol das instituições democráticas. A defesa da garantia da realização de eleições também apareceu nas falas de políticos e porta-vozes de partidos.
O Direitos Já, que conta com nomes de 18 siglas —do PT ao PSDB, passando por MDB, DEM e Cidadania—, decidiu na semana passada endossar o impeachment, embora institucionalmente nem todas as legendas com representação no grupo tenham se declarado a favor da deposição.
Partidos de centro-direita que possuem bancadas significativas na Câmara dos Deputados permanecem indefinidos sobre a saída do presidente ou já se declararam contra a ideia.
Siglas como PSDB, DEM, MDB e PSD não participaram do encontro do bloco de oposição em Brasília, mas têm sido procuradas para conversas e deverão ser convidadas para a manifestação do dia 2.
Um processo contra Bolsonaro, se fosse levado a plenário pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não teria votos suficientes para ser aprovado só com as legendas à esquerda.
Mesmo com o apoio da centro-direita, ainda seria necessária a adesão de pelo menos um dos grandes partidos do centrão para reunir, formalmente, os 342 votos necessários para que a Câmara autorize a abertura da ação. Com isso, o cenário hoje é favorável à continuidade do presidente no cargo.
Partidos que chegaram a ensaiar um descolamento do Planalto após as manifestações de raiz golpista no 7 de Setembro acabaram tirando o pé do acelerador após a carta retórica de Bolsonaro escrita em parceria com o ex-presidente Michel Temer (MDB) e que garantiu sobrevida ao governo.
A avaliação dos dirigentes presentes ao encontro desta quarta, contudo, foi a de que é preciso abrir espaço nas manifestações a todas as organizações que concordarem com a bandeira do “fora, Bolsonaro”. A prioridade agora é turbinar a pressão das ruas sobre os parlamentares.
Por outro lado, os líderes terão o desafio de evitar que a contaminação pelas disputas eleitorais de 2022 e desavenças motivadas por pautas laterais e rixas do passado prejudiquem a unificação dos protestos.
Os atos do último domingo, que pretendiam ser uma resposta de amplos setores políticos e sociais às marchas bolsonaristas do 7 de Setembro, fracassaram durante a fase de convocação por causa do tom de apoio a uma terceira via na disputa presidencial.
O mote “nem Bolsonaro nem Lula”, que foi neutralizado por MBL e VPR nas convocações às vésperas da passeata, enterrou a possibilidade de adesão de simpatizantes do petista. O PT não vetou a presença de filiados e disse apoiar todos os atos contra Bolsonaro, mas não se somou à organização.
Com público tímido, as manifestações capitaneadas pelos segmentos de direita acabaram dando combustível ao discurso bolsonarista de que a oposição está em frangalhos. Pré-candidatos de 2022 associados à terceira via compareceram, entre eles João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT).
Procurados pela Folha, MBL e VPR disseram que ainda não se definiram sobre suas próximas mobilizações e demonstraram resistência a aderirem a atos organizados pela esquerda. A base dos dois movimentos é majoritariamente antipetista e tem divergências figadais com o campo oposto.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, exaltou em uma rede social a reunião dos nove partidos de oposição, afirmando que “só a união de forças políticas pode derrotar o golpismo”.
Ela reforçou o convite para as marchas em 2 de outubro e disse que as legendas se somarão aos movimentos sociais e centrais sindicais “por emprego, renda e contra a carestia”.
O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, disse à Folha que “a ideia é reunir todas as organizações que queiram se somar a mobilizações conjuntas”. “É um convite amplíssimo, sem vetos. Não se trata de um ato só da esquerda ou só da direita, mas de uma convocação pelo ‘fora, Bolsonaro”, afirmou.
Em uma rede social, Medeiros disse que a ideia é convidar também governadores, artistas e personalidades. “Sem sectarismos, sem antecipar debates eleitorais, sem hostilidades. Vamos avançar e vamos derrubar Bolsonaro! Há esperança!”, conclamou.
O único critério de participação, de acordo com o dirigente do PSOL, será o compromisso de respeito aos demais grupos e líderes envolvidos na articulação. Ele descreveu como “um bom começo” para a unidade o consenso em torno do dia 2, data indicada na semana passada pela Campanha Fora Bolsonaro.
O grupo que organiza manifestações desde maio já conta com a participação da maioria dos partidos presentes na reunião desta quarta. Alguns, como PT, PSOL e PC do B, integram a cúpula do fórum. Outros, como PDT, PV e PSB, aderiram em datas específicas ou só em capitais como São Paulo.
Alertando para o risco à realização das eleições após as ameaças feitas por Bolsonaro, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, reforçou o chamado às ruas. “Estamos reunindo todas as oposições e todos os democratas para fazer um novo ato de mobilização popular”, disse em um vídeo.
Ele, que articula a campanha de Ciro Gomes à Presidência, afirmou que “não importa a quantidade de gente que esteja na rua”, lembrou as restrições por causa da pandemia de Covid-19 e reconheceu que a mobilização é um processo demorado. “Mas temos que ir para a rua antes que o pior aconteça.”
Lupi intensificou desde a semana passada o contato com líderes de partidos como PSDB, DEM, MDB, PSD e Novo. O pedetista prega uma união do que ele chama de segmentos democráticos em defesa do impeachment. Siglas à direita, no entanto, enfrentam rachas internos em torno da questão.
No evento promovido pelo Direitos Já, líderes políticos reiteraram a necessidade de união nas ruas e no Parlamento. O tom geral foi o que é urgente um calendário amplo de mobilizações.
Estiveram no local dirigentes, parlamentares e representantes de PT, PSOL, PDT, PC do B, PSB, Rede, Cidadania, PSL, PSD, Solidariedade e MDB. A porta-voz nacional da Rede, Heloisa Helena, e o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, compareceram às duas reuniões do dia.
A ex-senadora Heloisa disse não acreditar na possibilidade de golpe, mas afirmou que, se acontecer, aqueles que precisarem ir para o exílio lutarão com palavras. “E eu lutarei com todas as armas disponíveis para enfrentar um covarde sem honra que deixa feridos para trás”, completou.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), e o bispo emérito de Duque de Caxias, dom Mauro Morelli, fizeram participações em vídeo. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), enviaram mensagens.
Mandetta, que é pré-candidato à Presidência em 2022, afirmou no texto repudiar atos contrários à Constituição e ameaças à ordem institucional.
Um manifesto lido durante o evento pelo coordenador do Direitos Já, o sociólogo Fernando Guimarães, afirmou que “a democracia no Brasil está sob ataque e risco”, qualificou o momento como grave e associou Bolsonaro a autoritarismo e retrocessos, comparando-o ao ex-presidente dos EUA Donald Trump.
“Passou da hora. Basta!”, concluiu o texto. Em sua fala, Guimarães também apontou crimes de responsabilidade do presidente e disse que ele rasgou a Constituição ao incitar os atos de 7 de Setembro e fazer ameaças com tom golpista e antidemocrático.
“Nós nos somaremos a qualquer iniciativa que seja para marchar nas ruas em defesa da democracia brasileira e tirar esse genocida do poder, na forma constitucional, que é o impeachment”, discursou. Segundo Guimarães, o foco do grupo será trabalhar especialmente pelo ato de 15 novembro.
O presidente municipal do PDT, Antonio Neto, disse que “o que aconteceu no dia 7 foi muito grave” e que uma reação deve estar desconectada de sonhos eleitorais. “Não podemos agora, com olhar eleitoreiro, deixar de nos unir. Temos que ter maturidade agora. Eleição é no ano que vem”, afirmou.
“Os partidos políticos têm que assumir o controle das manifestações nas ruas, convocar seus militantes, para juntos darmos um basta. Nós não aguentamos mais 15 meses deste governo. Precisamos tirá-lo. Agora chegou a hora do impeachment já”, acrescentou Neto.
Também nesta quarta, o ex-presidente Michel Temer (MDB) defendeu uma pacificação interna do país “porque assim a Constituição o determina”.
“Sem embargo termos crises e mais crises, basta que nós hajamos no sentido de pacificar o país, de fazer o relacionamento adequado entre os poderes, de dar ao povo esta visão pela paz interna do nosso país, sem embargo de divergências programáticas, administrativas e até ideológicas”, afirmou, sem fazer referência à sua participação para esfriar a crise entre Bolsonaro e o STF.
O ex-presidente participou de uma palestra virtual promovida pelos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania pela defesa da democracia. O evento faz parte do ciclo de debates “Um novo rumo para o Brasil”, que vai até o próximo dia 27.
Igualmente palestrante, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou que “não dá para negar o fato que o presidente [Bolsonaro] tem arroubos que não são condizentes com o futuro democrático”. “Ele não vai conseguir. Mas cabe a nós, que temos experiência histórica, reavivar na memória dos brasileiros a necessidade de estarmos juntos em defesa da liberdade e da democracia.”
José Sarney (MDB), ex-presidente, pregou a resolução de divergências pelo diálogo “de acordo com a tradição a brasileira”.
Também fizeram parte do encontro, como expositor e coordenador, respectivamente, os ex-ministros Nelson Jobim e Moreira Franco (MDB). Jobim afirmou que “o sistema presidencial do país esgotou-se” e que 2018 introduziu a nova variável do “ódio na relação política”.
Estavam presentes ainda os presidentes dos partidos Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), ACM Neto (DEM) e Roberto Freire (Cidadania), que pregaram democracia e diálogo.
Rossi fez referência à nota que Bolsonaro divulgou com ajuda de Temer. “Tivemos manifestações pacíficas com uma minoria barulhenta pregando a quebra das instituições, […] algo que não podemos admitir. […] Temer fez um gesto de pacificação muito comentado e comemorado por todos, porque temos neste momento problemas reais que podemos enfrentar”, disse.
Neto afirmou “refutar qualquer posição de radicalismo e de antagonismo” e afirmou que “Todos os Três Poderes têm acertos e erros”.