A chegada de um projeto de extrema-direita ao poder tornou ainda mais relevante o papel das esquerdas na defesa da democracia, dos direitos sociais e da soberania nacional. Bolsonaro representa o que existe de mais atrasado na sociedade brasileira, do racismo ao entreguismo das riquezas do país; da LGBTfobia à corrupção familiar; do saudosismo da Ditadura Militar à apologia das milícias.

Nesse cenário trágico, agravado pela criminosa postura do governo Bolsonaro frente à pandemia do novo coronavírus, as esquerdas estão diante da possibilidade de apresentar ao país saídas concretas para a grave crise social, econômica, política, ambiental e sanitária que vivemos. Mas para isso, devem enfrentar ao menos três dilemas de curto, médio e longo prazos. 

1) Impeachment: agora x esperar 2022

O primeiro dilema parece estar em vias de solução, ao menos entre as forças de esquerda e centro-esquerda. Enquanto o campo da direta liberal vacila em defender o impeachment de Bolsonaro, as esquerdas parecem unificadas em torno da proposta.

Acusações de pouco empenho de partido A ou B ainda existem, mas não encontram amparo na realidade. A convocação unitária de manifestações no próximo dia 2 de outubro com a consigna “Fora Bolsonaro” demonstra que esse dilema parece solucionado. O afastamento de Bolsonaro não é apenas correto, como garante sua inelegibilidade por oito anos, passo fundamental para enfraquecer a extrema-direita.

2) Eleições 2022: unidade x divisão

O segundo dilema, de médio prazo, diz respeito à tática eleitoral das esquerdas na eleição presidencial de 2022. De um lado, estão aqueles que defendem que a unidade deve ocorrer no segundo turno, permitindo que cada partido ou projeto se expresse no primeiro. De outro, estão aqueles que defendem que a unidade deve ocorrer já no primeiro turno em torno de uma frente de oposição frontal ao bolsonarismo e à velha direita.

Ambas as táticas, evidentemente, têm sua legitimidade. Acontece que, diferente de outras eleições onde não havia expectativa de unidade no primeiro turno, 2022 é tido como a grande oportunidade de derrotar a extrema-direita, caso o impeachment não prospere. Não é uma disputa como outra qualquer, onde “demarcações de posição” são vistas como naturais. Os eleitores progressistas esperam que as esquerdas estejam unidas para derrotar Bolsonaro. Esse é, portanto, um dilema que precisa ser encarado com máxima responsabilidade pelos partidos do campo popular.

3) O programa: mudanças estruturais x administrar o sistema

O terceiro dilema diz respeito às saídas que as esquerdas apresentarão para superar a crise que o Brasil enfrenta. É ponto pacífico que a “doutrina do choque” implementada no Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff tem como objetivo destruir as conquistas sociais asseguradas na Constituição Federal de 1988, Visa ainda a implementar um ultraliberalismo que faça do país uma plataforma de valorização do capital às custas do mundo do trabalho e do meio ambiente. O que parece não haver consenso é qual alternativa deve ser apresentada.

Um amplo setor dos partidos de esquerda e centro-esquerda perdeu completamente a capacidade de pensar saídas que afrontem a lógica destrutiva do neoliberalismo. Preferem administrar o sistema que criar um movimento crítico o suficiente para subvertê-lo. Esse não é um dilema qualquer. Não se trata apenas de escolher o que será dito nos programas dos candidatos de esquerda nas eleições de 2022: aqui a questão é determinar se serão adotadas medidas para reverter os ataques promovidos nos últimos anos, enfrentando interesses poderosos, ou se a aposta será novamente na dinâmica do “ganha-ganha” e do pacto entre capital e trabalho.

Esse talvez seja o mais complexo dos dilemas. Justamente porque os partidos mais representativos são justamente aqueles que mais tempo passaram à frente da máquina do Estado e que mais dificuldade têm de exercitar sua imaginação política para pensar saídas que enfrentem o “moedor de vidas” do neoliberalismo. A questão, no entanto, é que uma esquerda restrita aos limites do sistema está condenada a frustrar as maiorias sociais e desperdiçar a oportunidade histórica que se avizinha. Felizmente, temos tempo para escrever esse capítulo da história.