Juliano Medeiros avalia que decisão não significa um racha entre filiados da legenda
RIO — Reconduzido ao cargo de presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, está à frente da decisão de não apresentar uma candidatura própria para a presidência da República. Apesar de ter sido aprovado por uma margem apertada, Medeiros não considera que a decisão representa um racha interno no partido que, segundo ele, carrega no DNA as divergências internas. O rompimento com a tradição de candidatos próprios escanteou o deputado Glauber Braga (RJ), que deve continuar trabalhando para convencer outros delegados enquanto o PSOL consolida a aliança com o PT para a candidatura do ex-presidente Lula.
O PSOL concluiu no último congresso nacional que não apresentará, por ora, um pré-candidato à presidência do partido. Como o partido avalia esse posicionamento inédito desde 2006?
Considero que essa foi a decisão mais correta. O Brasil vive uma situação absolutamente excepcional, nós estamos enfrentando um governo de extrema direita que é diretamente responsável pela gravíssima crise social, política e econômica que nós vivemos. Portanto, considero correta a decisão de colocar como prioridade a construção da unidade das forças de esquerda e centro-esquerda para as eleições do ano que vem. Se vai ser possível ou não construí-la, se vai ser viável, é o processo de diálogo que vai definir.
A decisão de não ter candidato próprio foi aceita por uma margem apertada, com o voto de 44% dos delegados a favor de uma pré-candidatura. Na prática, essa resolução representa um racha entre os filiados do partido?
Não considero que exista racha. O PSOL tem uma vida interna muito democrática, já se dividiu inúmeras vezes em diversos temas e isso nunca provocou um racha. No impeachment havia diferenças no PSOL sobre como proceder, vendeu a posição de que deveríamos ir para as ruas. Havia divergência sobre a entrada do partido na campanha pela liberdade do Lula, venceu a posição de que nós iríamos compor a campanha. Nós temos uma tradição política de debate interno, de polêmica, de divergência, mas isso em hipótese nenhuma pode ser chamado de racha.
Até então o principal nome do partido para uma pré-candidatura era o do deputado Glauber Braga (RJ). Nas redes, o parlamentar afirmou que continuará trabalhando nos próximos seis meses, até a convenção eleitoral do partido, para convencer uma fatia de delegados que ainda considera não ser o momento de apresentar o candidato do partido. O nome dele está descartado?
O Glauber é um deputado muito valoroso, tem todo o nosso respeito e admiração. Ele tem o direito de defender suas ideias, entre elas a ideia de que o PSOL tem que ter candidatura própria. É um direito dele e de qualquer filiado. Mas a decisão, nesse momento, é a de que o PSOL vai trabalhar pela unidade e não vai discutir nomes. Portanto, o Glauber não é pré-candidato pelo PSOL.
A legenda nasceu de uma dissidência de filiados do PT, e após a sequência de quatro candidatos na disputa pela presidência caminha para uma aproximação do palanque nacional que vem sendo construído para a candidatura do ex-presidente Lula. O que significa o rompimento dessa tradição de candidatos próprios e aproximação do PT neste momento político?
Desde o impeachment da Dilma Rousseff há uma colaboração entre os partidos de esquerda e centro-esquerda para tentar deter a agenda de retirada de direitos que começou no governo Temer e se aprofundou radicalmente no governo Bolsonaro. Isso melhorou o ambiente na oposição e abriu mais possibilidades de diálogo entre outros partidos. Isso não quer dizer que não existam diferenças importantes entre nós, de concepção do socialismo, as prioridades, tarefas para enfrentar os adversários, as alianças necessárias para fazer esse enfrentamento. O que estamos colocando é que num momento tão trágico como o que estamos vivendo vale a pena o esforço de tentar construir alguma síntese, mesmo que as diferenças continuem existindo.
Ao deixar a legenda, o ex-deputado federal Jean Wyllys afirmou querer “liberdade plena” em um momento em que o PSOL se posicionava a favor de uma candidatura própria. Como o partido lidou com a posição de Wyllys e mudou de visão de maio para cá?
O Jean não deixou o PSOL por essa divergência, até porque hoje há um setor majoritário no PSOL que defende a mesma tese que ele, da unidade. O Jean saiu porque não se identificava mais com uma série de posições do PSOL, então não procede.
Em São Paulo, por exemplo, a pré-candidatura de Guilherme Boulos ao estado já foi oficializada, mas o PT tem manifestado a intenção de lançar a candidatura do ex-prefeito Fernando Haddad. Como o senhor avalia a divisão da esquerda em determinados palanques estaduais?
Essa decisão não significa um “toma lá, dá cá” entre apoios nacionais e regionais, não é assim que o PSOL compreende a forma de fazer política, e não é assim que vamos tratar a situação nos estados. Em cada estado o PSOL vai definir o que é melhor para si, dependendo da realidade local. No caso de São Paulo, nós consideramos que o Guilherme Boulos é o nome que tem as melhores condições de unir a esquerda e vamos tentar convencer outros partidos de oposição. É completamente legítimo o lançamento do nome do meu amigo Fernando Haddad pelo PT, assim como foi legítimo em 2020 que a esquerda tivesse vários nomes na capital e o eleitor fez a sua escolha. A divisão em si não é um problema, desde que nós saibamos administrar essas divergências de forma a evitar a vitória dos nossos adversários.
Atualmente, o partido tem 10 deputados federais, nenhum senador, nenhum governo estadual e cinco prefeituras. Assim como Wyllys, outro nome de peso, Marcelo Freixo, decidiu deixar a legenda nos últimos meses. Qual a perspectiva de renovação do partido para o próximo ciclo eleitoral?
O PSOL foi o partido que mais cresceu no último ano, e tem sido há vários anos um projeto que cresce com muita consistência. Diferente de outros partidos que surgiram, cresceram rapidamente, mas não conseguiram se afirmar. É o exemplo do partido Novo, que foi o que mais perdeu filiados no último ano. Considero natural que conforme o partido vai crescendo e afirmando sua identidade política, pessoas que já não se identificam mais com as ideias e posições vão saindo e outras vão entrando. Estamos num ritmo aquém do que seria necessário para que o PSOL se convertesse hoje em uma alternativa de poder no plano nacional, mas já é uma alternativa no plano local, e um partido com uma força eleitoral incontestável.
Se repetirem o último desempenho em 2022 na eleição para a Câmara dos Deputados — que contará para os efeitos da cláusula de barreira — o PSOL pode entrar em uma situação delicada, abrindo caminho até para a extinção. Qual a perspectiva do partido nesse caso para o próximo pleito?
Consideramos que a cláusula de barreira é uma medida que tem como propósito asfixiar os partidos ideológicos. É uma medida muito problemática, mas superamos a cláusula com certa facilidade em 2018 e acredito que teremos um desempenho ainda melhor em 2022 para superar a cláusula. Mas claro que é uma preocupação da direção nacional, e por conta disso teremos um olhar especial para não ter nenhum risco ou surpresa na eleição do ano que vem.
O Congresso Nacional derrubou a decisão do presidente Jair Bolsonaro que tentava impedir que partidos se unam em uma federação partidária e atuem de maneira uniforme. Essa é uma alternativa vislumbrada para o futuro do partido?
As federações são um instrumento democrático que permite que partidos com identidade política ideológica possam manter um período de convivência regular por pelo menos quatro anos, por isso a bancada do PSOL votou pela derrubada dos vetos. Mas não há neste momento nenhum debate aberto sobre a possibilidade de união com outro partido.
A restrição ao financiamento privado de campanha se tornou problemática para alguns filiados, que decidiram inclusive deixar o partido. O senhor teme uma baixa relevante no quadro do partido na próxima janela de transferência partidária?
Não há nenhuma preocupação sobre baixas no quadro, estamos trabalhando para receber outras lideranças de partidos que se identificam com nosso projeto político na próxima janela. O financiamento para nós é uma questão de princípio, quem financia a campanha dos nossos candidatos deve ter identificação com nossas posições políticas e projeto de país. Portanto, aqueles que querem receber recursos de banqueiros, empresários do agronegócio, empresas que atacam o meio ambiente, devem compreender que isso é uma contradição com os princípios e posições do PSOL e são livres para deixar o partido.