Num artigo recentemente publicado neste jornal, a Ministra da Agricultura e o Ministro do Meio Ambiente brasileiros, Tereza Cristina e Joaquim Leite, desenvolveram uma tese surpreendente sobre a harmonia entre crescimento económico e meio ambiente conseguida durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro.
O artigo aborda o papel da agricultura de baixo carbono para a preservação ambiental num país que tem 59% do seu território formado pela região amazónica, que representa 67% das florestas tropicais do mundo. Segundo a dupla ministerial, “o Brasil está pronto a dar uma contribuição positiva aos esforços coletivos voltados a manter a temperatura global nos limites acordados, no marco do Acordo de Paris”. Não passa de uma peça de marketing do governo brasileiro para o exterior. A verdade, no entanto, é muito diferente.
O governo brasileiro tem-se destacado internacionalmente pelo desmantelamento de direitos sociais, pela confessa simpatia por regimes autoritários, pelo negacionismo e, principalmente, pelo ataque sistemático às políticas de proteção ambiental no Brasil, uma das mais avançadas do mundo.
Enquanto Tereza Cristina e Joaquim Leite mencionam uma “revolução verde” baseada em “investimentos em ciência, tecnologia e inovação”, o que vemos é a profusão de crimes ambientais e o corte de recursos na área científica: Só no orçamento de 2022, o corte na área de pesquisa e inovação científica está previsto em 92%.
O aumento da produção de grãos para a exportação, especialmente soja, tem como consequência a expansão da fronteira agrícola e a destruição de biomas únicos no mundo, como a floresta amazônica, o pantanal e o cerrado brasileiro. Os incêndios que chocaram o mundo e destruíram milhões de hectares de áreas preservadas são um retrato do governo Bolsonaro, que utilizou apenas 22% dos recursos destinados à preservação ambiental em 2021.
Ao contrário do que afirmam Cristina e Leite, a expansão do agronegócio no Brasil não se baseia numa “agricultura sustentável do futuro para cumprir as suas metas climáticas e de desenvolvimento”, mas na cumplicidade entre poder político e crimes ambientais.
Foi por isso que Bolsonaro transferiu o Serviço Florestal Brasileiro do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura. Foi por isso também que flexibilizou as multas por crimes ambientais, extinguiu o bilionário Fundo da Amazônia, que financiava mais de uma centena de projetos de proteção da Amazónia, perseguiu fiscais ambientais e desprotegeu os povos indígenas, defensores naturais daquelas terras. É falso, portanto, que o governo “redobrou esforços para reprimir os ilícitos ambientais”.
Bolsonaro ainda autorizou centenas de agrotóxicos proibidos em países da União Europeia e nos Estados Unidos, autorizou o leilão de sete blocos de extração de petróleo localizados em áreas de alta sensibilidade ambiental e tem apoiado as propostas de exploração mineral predatória e redução das áreas indígenas. Os impactos dessas decisões sobre as populações afetadas são imensuráveis.
É falso que “a estratégia brasileira para a Amazónia fundamenta-se sobretudo na proteção das terras públicas” ou “na plena implementação da legislação ambiental”. O que Bolsonaro e seu governo fizeram até aqui foi desmontar os órgãos de proteção e fiscalização ambiental para favorecer a agropecuária predatória. As consequências são trágicas: o ano de 2020 registrou um recorde no desmatamento na Amazônia, com um crescimento de 30%, e a região perdeu 10 476 km² de floresta entre agosto de 2020 e julho de 2021.
Quando nos aproximamos de mais uma edição da Conferência do Clima, desta vez realizada na Escócia, o governo brasileiro procura melhorar sua imagem e mitigar os desastrosos efeitos das suas políticas anti-ambientais.
Quem viu a Amazónia a arder sabe que não passa de propaganda. Não podemos permitir que aqueles que promoveram a destruição ambiental possam, agora, passar por aliados contra a emergência climática.