Enquanto escrevo essas linhas já são contabilizadas mais de 180 vidas perdidas na cidade de Petrópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro. As interpretações sobre as causas dessa tragédia são muitas. Passam pelo despreparo dos órgão de defesa civil e pelos sucessivos cortes de investimentos promovidos por diferentes governos nos últimos anos, pelo racismo ambiental, que empurra milhares de pessoas para áreas de risco, e tem como pano de fundo, é claro, a emergência climática que vivemos nas últimas décadas.

Em algumas horas a região de Petrópolis recebeu 260 milímetros de chuva, um volume que superou a média histórica para todo o mês de fevereiro, provocando enchentes e mais de 200 deslizamentos de terra. Nas primeiras horas foram contabilizadas dezenas de mortes. Com o passar dos dias, se transformaram em quase duas centenas. As imagens do desespero das famílias em busca de desaparecidos sensibilizaram o país inteiro e geraram uma onda de solidariedade.

Não há dúvida de que Petrópolis irá se reerguer. Mas aqueles que se foram não voltarão. E as vidas despedaçadas pelas perdas humanas e materiais sentirão para sempre o efeito dessa tragédia. Resta a pergunta: era possível evitá-la?

A resposta é simples: sim. As cenas que vimos em Petrópolis são a combinação da soma de muitas “crises” diferentes. A primeira e mais evidente, diz respeito à crise de financiamento das políticas de prevenção a fenômenos desse tipo. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a gestão do governador Cláudio Castro investiu apenas metade do orçamento previsto no ano passado para a prevenção de tragédias no Rio de Janeiro.

Mas os cortes não foram promovidos apenas pelo governo fluminense. No plano federal a redução dos recursos para a defesa civil também foi drástica. No orçamento da União foram previstos 45% a menos de recursos em 2022 em comparação com o ano anterior. O fato foi denunciado por diferentes veículos de comunicação antes mesmo da tragédia em Petrópolis, num prenúncio dos efeitos da irresponsabilidade de Bolsonaro.

A opção do governo federal e estadual em estrangular o orçamento nas áreas sociais – respondendo às exigências neoliberais de “responsabilidade fiscal” – também fica evidente quando o assunto é o combate ao déficit habitacional. Segundo o Plano Municipal de Redução de Risco de Petrópolis, de 2016, havia na cidade 20 mil moradias em áreas de risco alto ou muito alto. Diante dessa situação dramática, Bolsonaro colocou fim ao programa “Minha Casa, Minha Vida” e criou o programa “Casa Verde e Amarela” com recursos muito inferiores e que podem ser usados em reformas de imóveis, deturpando o sentido do combate à falta de moradias dignas e seguras.

Enquanto isso, pessoas pobres – na sua maioria indígenas, negros e negras – são empurradas para áreas de risco, longe dos centros das cidades, sem infraestrutura básica, saneamento, serviços públicos e oportunidades de emprego. Como explica a socióloga Rita Maria Passos, o racismo ambiental expõe determinados grupos sociais a uma carga desproporcional de riscos, danos e impactos provocados pela crise climática e pela desigualdade socioeconômica.

Por fim, mas não menos importante, soma-se à crise social e à crise de investimentos do Estado em políticas de prevenção de catástrofes, a crise climática. Ao contrário do que afirma uma minoria de negacionistas, as mudanças climáticas promovidas pela ação humana através do modelo econômico predatório são uma realidade incontestável. A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera da terra está diretamente ligada às mudanças de temperatura em todo o mundo e a fenômenos extremos como tempestades, ciclones, incêndios florestais, secas, ondas de calor e enchentes.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU, o aumento da temperatura média do planeta em 2019 estava 1,1°C acima do período pré-industrial, expondo uma imensa quantidade de pessoas – sobretudo os habitantes dos países mais pobres – a fenômenos como os que vimos em Petrópolis. Por isso, os esforços para conter o aquecimento global com medidas que possam reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa deveria ser compromisso de qualquer governo minimamente sério.

Não é possível voltar no tempo para salvar a vida das pessoas atingidas pelas chuvas, pela desigualdade social e pela negligência dos diferentes governos que retiraram recursos das políticas de prevenção a desastres. Mas é possível mudar o futuro. Para isso, é preciso enfrentar a soma de todas essas crises – a crise ambiental, a crise social e a crise de financiamento das políticas públicas – e cobrar a conta dos responsáveis por mais essa tragédia.