Qualquer análise sobre os resultados eleitorais deste ano no Brasil corre sério risco de ser refutada pela realidade. Isso porque nos últimos anos nos tornamos um país onde o impensável frequentemente acaba acontecendo.
Até poucos anos parecia impossível conceber que uma presidenta pudesse ser deposta com base nas tais “pedaladas fiscais”. Tanto quanto seria impensável que um ex-presidente pudesse ser preso por mais de 580 dias sem provas. E que dizer da eleição para a Presidência de um obscuro deputado conhecido por suas posições racistas, machistas, homofóbicas e por sua absoluta inépcia em matéria de gestão pública? Pois é, vivemos a era das improbabilidades.
Ainda assim, é possível apontar tendências. Todas as pesquisas mostram que Lula e Bolsonaro são hoje os candidatos mais fortes para chegarem ao segundo turno da eleição presidencial em outubro. Também mostram que a “terceira via” não consegue se tornar competitiva porque, na verdade, não é de fato uma alternativa entre dois polos, mas uma dissidência moderada da direita, hoje hegemonizada pelo bolsonarismo.
As diferentes pesquisas também mostram que Bolsonaro vem recuperando terreno desde o início do ano, oscilando positivamente na casa dos 30% das intenções de votos. Lula, por sua vez, mantém uma vantagem que varia entre 10% e 15% em relação ao candidato do PL, com uma rejeição bem menor: cerca de 40% contra algo em torno de 60% de Bolsonaro.
A aposta do presidente estava baseada na combinação de dois fatores. Primeiro, o recuo da pandemia e a consequente retomada da atividade econômica, com perspectivas para a geração de emprego e diminuição da crise social; segundo, um pacote de políticas voltadas aos mais pobres com o objetivo de disputar a base da pirâmide social, mais fortemente afetada pelo aumento do custo de vida e simpática a Lula.
Desde o ano passado, Bolsonaro resolveu deixar de lado seu compromisso com a austeridade e abrir o cofre. Só o Auxílio Brasil, que paga em média R$ 400 por família, despejará quase R$ 90 bilhões na economia. A renegociação das dívidas do FIES, bandeira histórica da esquerda, também foi anunciada por Bolsonaro. Com o programa, estudantes poderão conseguir descontos de até 90% em suas dívidas. O anúncio de aumento do piso dos professores em mais de 30% também busca melhorar a situação de Bolsonaro junto a categorias profissionais mais inclinadas à esquerda e mira diretamente a eleição deste ano.
Mas a grande aposta de Bolsonaro e seus aliados era a retomada da economia pós-pandemia. Com a gradual retomada das atividades presenciais, a tendência era que a economia mundial pudesse gerar uma demanda que impulsionaria o crescimento do Brasil neste ano, atenuando a crise social e melhorando a avaliação do governo Bolsonaro. No entanto, no meio do caminho, havia Putin.
A invasão russa à Ucrânia, para além de condenável política e moralmente, trará consequências duradouras para a economia mundial. A retomada do crescimento econômico mundial pode ser comprometida pela instabilidade na oferta de gás e petróleo geradas pelo conflito e pelas sanções impostas à Rússia pelos países ocidentais. O aumento do preço do barril do petróleo, por exemplo, tem impacto direto sobre o Brasil. O reajuste dos combustíveis, anunciado na última semana pela Petrobras, é consequência direta da criminosa política de paridade de preços internacionais e afetará em cheio as expectativas de crescimento da economia brasileira.
O aumento da taxa básica de juros nos Estados Unidos também trará consequências para o Brasil. O Banco Central já anunciou a elevação da taxa Selic em 1% e a tendência é que ela suba ainda mais nos próximos meses. Com isso, o crédito fica mais caro, os investimentos produtivos se retraem e a geração de empregos fica comprometida. A revisão da expectativa de crescimento da economia brasileira por diferentes organismos financeiros, mostra que a principal aposta de Bolsonaro pode ser frustrada.
O ambiente econômico não é o único fator em uma eleição. Os resultados de 2018, inclusive, confirmam essa leitura. Mas é impossível negar que tenha importância. Com o aprofundamento da crise social, da fome, da inflação e do custo de vida em geral, os eleitores buscam alternativas na oposição. Lula, que já era o favorito, pode ser diretamente beneficiado pelos efeitos da guerra na Ucrânia na economia brasileira e do desgaste do governo.
Sem retomada do crescimento econômico, só resta a Bolsonaro suas medidas eleitoreiras. Elas terão um impacto na melhora de sua imagem, especialmente junto aos eleitores mais pobres, como já demonstram pesquisas recentes. Mas podem não ser suficientes para gerar uma sensação de melhoria das condições de vida capaz de diminuir a rejeição do presidente. Sem um crescimento econômico robusto, a crise social pode continuar. Sem querer, Putin pode estar ajudando a colocar fim ao pesadelo bolsonarista no Brasil.