Nas últimas semanas a imprensa deu grande atenção às declarações de Lula. Não é para menos, afinal, o ex-presidente lidera com folga a disputa ao Palácio do Planalto. Mas as análises não tinham como foco as propostas do pré-candidato das esquerdas para o combate à inflação, ao desemprego ou à fome. O que chamou a atenção das redações foram suas “falas polêmicas”.

A entrevista de Lula na prestigiada revista Time e as críticas ao presidente ucraniano, Volodimir Zelensky; o tratamento do aborto como questão de saúde pública e um direito que todas as mulheres deveriam ter; a proposta de que eleitores se manifestassem pacificamente junto aos seus parlamentares, dentre outras, foram episódios que chamaram a atenção da imprensa e instalaram uma espécie de disputa em torno de sua pré-campanha.

De um lado, agentes do mercado e seus analistas tentam “enquadrar” Lula novamente, ridicularizando qualquer proposta que não esteja dentro do que se esperaria de um candidato de união nacional contra a extrema-direita. De outro, aqueles que esperam que ele represente uma mudança de modelo, com a recuperação dos direitos sociais, da democracia, do meio ambiente e da defesa dia trabalhadores e trabalhadoras diante do conflito distributivo que se abriu nos últimos anos.

Essa postura não deixa de ser curiosa. Afinal, os partidos de centro-direita não compõem a aliança em torno de Lula. Porque, então, ele teria de representá-los? Em seus discursos, o pré-candidato tem tocado em feridas abertas. Ao visitar a Vila Soma, bairro surgido de uma ocupação na cidade de Sumaré (SP), ele dá um sinal claro de que o direito à moradia digna é um problema social que deve ser enfrentado com prioridade. Ao visitar uma universidade pública, no mesmo dia, Lula reafirma a defesa da educação como um bem de todas e todos. Longe de “pregar para convertidos”, como alegam alguns, os eventos e declarações de pré-campanha são sinais de seu compromisso com uma agenda posicionada ao lado das maiorias sociais.

Diferentemente de 2018, quando a pauta das eleições foi definida pela extrema-direita, com sua ênfase em temas como violência urbana, anticomunismo, corrupção e questões de natureza moral, o pleito deste ano será marcado pelo desemprego, pela volta da fome, pela disparada da inflação, pela precariedade das condições de trabalho e pela crise ambiental. Até aqui, Lula tem – corretamente – priorizando essa agenda. Mas também parece disposto a enfrentar outros temas que muitos formadores de opinião prefeririam que ele esquecesse.

O Brasil de 2022, depois de um golpe parlamentar, da prisão sem provas de um ex-presidente, de reformas que aprofundaram a desigualdade e de quatro anos de um governo de extrema-direita, é muito diferente daquele de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez. Vinte anos atrás, poderia fazer sentido – ao menos do ponto de vista eleitoral – uma “guinada ao centro” para ganhar a confiança dos eleitores mais receosos com a esquerda. Em 2022, porém, o centro está em crise, enquanto as ideias de esquerda ganham terreno em todo o mundo.

Estamos diante de uma oportunidade única. Diante da falência das promessas do neoliberalismo, é possível apresentar saídas completamente diferentes. E é por isso que qualquer posição de Lula fora do roteiro previamente definido pelos mercados gera tanto incômodo. Quem diz que ele tem falado para uma “bolha” de esquerda, na verdade, espera enquadrá-lo como um candidato do establishment. E isso é a receita para a derrota. Para uma crise que é profunda, não bastam saídas cosméticas. O Lula que o Brasil precisa é aquele que não tem medo de apontar os problemas do país e quais as soluções que devem ser defendidas.