Na primeira semana do ano, o presidente Jair Bolsonaro declarou, num dos já costumeiros encontros com apoiadores no “cercadinho” do Palácio da Alvorada: “O Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada”.
A afirmação é parcialmente verdadeira. O Brasil, de fato, está quebrado. Por “quebrado” entenda-se imerso numa profunda crise econômica e social.
Segundo o Boletim Focus, o PIB brasileiro – soma de todas as riquezas produzidas no país – deve ter uma retração de 4,4% em 2020. O resultado dessa situação se faz sentir diretamente no mundo do trabalho. De acordo com o IBGE, o desemprego alcançou a taxa de 14,3% da população economicamente ativa entre agosto e outubro, com uma alta em relação ao trimestre anterior.
A pobreza extrema, um dos indicadores mais assustadores da desigualdade social no Brasil, deve dobrar em 2021, segundo projeções feitas pelo Ibre-FGV. Isso significa que a quantidade de brasileiros e brasileiras vivendo com menos de US$ 1,90 por dia passará dos atuais 6,5% registrados em 2019 para algo na casa de 12% ao final de 2020.
Só o fim do Auxílio Emergencial, decretado por Bolsonaro, empurrará 17 milhões de brasileiros e brasileiras para abaixo da linha da pobreza, agravando ainda mais a crise social.
Essa grave situação poderia ser enfrentada com medidas eficientes e de efeito relativamente rápido. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório divulgado no final de 2020, combater a pobreza extrema no Brasil custaria menos de 1% do PIB.
Bastaria, portanto, vontade política para enfrentar os interesses de parte do mercado. Ou ainda, um mínimo de decência de parte da elite brasileira, que prefere ampliar seus ganhos enquanto milhões são jogados à própria sorte.
De fato, o Brasil está quebrado. Mas Bolsonaro não é verdadeiro ao afirmar que “não consegue fazer nada”. Na verdade, ele não quer fazer nada diferente do que até aqui tem feito porque seu projeto é a destruição do Brasil.
Seus compromissos com o chamado “Centrão”, sua adesão à agenda ultraliberal de Paulo Guedes, seu desprezo pela ciência, sua incompetência, falta de compaixão e ojeriza aos mais pobres, especialmente quando estes são negros e negras, indígenas e mulheres, são funcionais ao seu projeto de morte. Fosse diferente, Bolsonaro não seria Bolsonaro.
Mas se é verdade que ele não fará nada – não porque não consiga, mas porque não quer – o mesmo não pode ser dito de outros, a começar pelo Congresso Nacional.
Foi o Legislativo que aprovou, por exemplo, o Auxílio Emergencial, contra a vontade Guedes e Bolsonaro. Por que não prorrogá-lo, impondo uma derrota à agenda recessiva do governo? Seria uma demonstração de compromisso com o Brasil.
Outra medida eficiente para reconstruir o país seria a promoção de uma reforma tributária progressiva, que desonerasse o consumo das famílias e taxasse lucros, dividendos e grandes fortunas. O impacto não seria imediato, mas ajudaria no esforço de reconstrução nacional dos próximos anos.
Também o Judiciário poderia fazer sua parte. Há dezenas de ações no Supremo Tribunal Federal denunciando os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e sua família.
No Tribunal Superior Eleitoral outras tantas ações pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelos crimes eleitorais cometidos durante a campanha de 2018. Com o afastamento de Bolsonaro, o país poderia retomar um processo de diálogo em busca de saídas para a superação da crise e uma transição até as eleições de 2022.
Se os demais poderes não quiserem agir – como até agora não quiseram – ainda nos restaria apelar à sociedade. A retomada das mobilizações de rua, tão logo seja possível, e a articulação de uma ampla frente democrática por direitos, são elementos que podem dar um novo rumo à crise que o Brasil vive, assegurando medidas emergenciais de proteção aos mais vulneráveis – como a manutenção do Auxílio Emergencial – e de toda a sociedade – como a imediata imunização de toda a sociedade através de uma campanha nacional de vacinação contra a Covid-19.
As saídas estão aí. A Constituição Federal oferece todos os instrumentos para abreviar o pesadelo que é o governo Jair Bolsonaro.
As medidas de proteção aos mais vulneráveis mostraram-se eficientes. Os recursos para enfrentar a crise podem ser assegurados, basta vontade política e disposição para enfrentar privilégios.
Não é uma escolha tão difícil, como o tempo pôde demonstrar em relação ao segundo turno de 2018. Esperar até 2022 é concordar com Bolsonaro e aceitar que “não se pode fazer nada”. A hora é agora.