Em dois artigos anteriores, analisei aqueles que parecem ser os principais fatores que marcam o processo eleitoral de 2020. Como afirmei, a pandemia do novo coronavírus introduziu fatores que podem impactar fortemente os resultados eleitorais deste ano: a desilusão com o governo Bolsonaro por parte de seu eleitorado, o fim do monopólio da extrema-direita sobre o debate público e os efeitos da pandemia de Covid-19 no debate eleitoral em si. Encerro essa pequena série analisando os efeitos da concentração da base eleitoral do bolsonarismo. 

Jair Bolsonaro foi eleito com os votos de 57,7 milhões de brasileiros e brasileiras, o equivalente a 55% dos votos válidos naquela eleição. Em relação ao total de eleitores, porém, Bolsonaro obteve apenas 39,3% dos votos. Significa que, diante da profunda crise política que o país vive desde 2015, a extrema-direita obteve em 2018 uma maioria relativa na sociedade brasileira.

Isso fica mais evidente quando avaliamos o desempenho do governo Jair Bolsonaro ao longo de 22 meses. Ao final de seu primeiro ano de governo, sua avaliação negativa era de 31% segundo dados da pesquisa CNT/MDA publicada em janeiro. O pior índice para este período entre todos os presidentes desde a redemocratização. Em relação à avaliação positiva, Bolsonaro também ostentava em janeiro os piores números em comparação com seus antecessores: apenas 34% dos brasileiros e brasileiras aprovavam a gestão da extrema-direita em seu primeiro ano.

 Com a pandemia do novo coronavírus, a avaliação do governo chegou aos seus piores índices. Em maio, quando o país registrava média superior a mil mortes por dia, a gestão de Bolsonaro foi avaliada negativamente por 43,4% dos brasileiros e brasileiras, segundo dados do mesmo instituto. O desempenho pessoal do presidente à frente da crise, que era avaliado como positivo por 47,8% dos entrevistados em março, caiu para 39,2% na pesquisa seguinte. A desaprovação, por sua vez, disparou de 47% para 55,4%.

Os efeitos do auxílio emergencial aprovado pela oposição no Congresso Nacional melhoraram os índices de popularidade do governo no segundo semestre deste ano. No final de setembro, segundo pesquisa Ibope, 40% dos brasileiros e brasileiras avaliavam positivamente o governo. Na pesquisa do mesmo instituto, divulgada em dezembro de 2019, esse índice era de 29%. Ainda assim, são índices baixos se comparados com os melhores momentos de Lula (PT), Dilma Rousseff (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Com isso, diferentemente de outras eleições, o Presidente da República não é um líder ao qual os candidatos querem necessariamente se vincular.

 Não é desprezível, evidentemente, o fato de um líder da extrema-direita ter consigo uma fração da sociedade brasileira que flutua entre 20% e 40%. Isso é espantoso se considerarmos que, no passado recente, o país era governado por uma coalizão de centro-esquerda que, apesar de sustentada por um pacto conservador – parafraseando o cientista político André Singer – estimulava políticas de inclusão social e combate à pobreza extrema.

 No entanto, se comparado aos cenários mais pessimistas, Bolsonaro está longe de ser um presidente com os índices de popularidade dos quais gozaram Lula e Dilma em seus melhores momentos. Com o Brasil imerso em uma profunda crise econômica, com trágicas consequências sociais, e sem uma agenda eficiente para retomar o desenvolvimento e a geração de emprego e renda, a popularidade de Bolsonaro se assenta, de um lado, numa diminuta base de extrema-direita (que segundo dados do Datafolha representavam, em junho, 15% da população adulta) e, de outro, nos efeitos benéficos do Auxílio Emergencial sobre a pobreza extrema.

Isso, nem de longe, faz de Bolsonaro o principal cabo eleitoral no pleito deste ano. Isso não significa, obviamente, que o bolsonarismo tenha uma expressão eleitoral irrelevante. Prova disso é que ele segue atraindo para sua órbita candidatos em busca de uma base eleitoral fiel, como comprovam os casos de Celso Russomano (Republicanos) e Márcio França (PSB), em São Paulo, e Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro. Mas entre os candidatos que estão despontando nas pesquisas país afora poucos são bolsonaristas confessos. A base eleitoral de Bolsonaro está mais concentrada, o que impacta o processo eleitoral.

Com isso, as eleições municipais deste ano, que poderiam ter o bolsonarismo como principal força eleitoral, segundo as análises mais pessimistas, devem reproduzir o cenário de divisão do país em três partes: aquela que se identifica com a oposição de esquerda e centro-esquerda; aquela que se identifica com o governo Bolsonaro; e aquela que busca uma terceira opção entre os dois polos principais. Longe de reproduzir o cenário de 2018, as eleições municipais serão mais um capítulo da luta por uma hegemonia política estável no Brasil.